E agora, meu poema, que te faço?
Abandono imagens belas e metáforas?
Só faltou que cruelmente te chamassem
Casa pobre com adornos ordinários.
Que fazer agora, então, meu verso?
Deixo para trás os sóis, luares e as estrelas,
O silêncio tão cantor das madrugadas,
As varandas, as penumbras e os quintais?
Que será, meu canto, dize a mim, dos seresteiros,
Inspirados violeiros das esquinas?
Que será, se até Dioníso, deus de todas as orgias,
E as ninfas foram expulsas das letras sobre esbórnias?
Ai, meu Deus(!), e agora como vou fazer a poesia
Sem ardores, sem morenas de peitos bem durinhos,
Sem o samba, sem um louco, um desregrado ou vagabundo?
E agora, me falais vós que me ledes, se é belo ou se não é
Um poema ornamentado de jardins e sóis dourados.
Como doravante vou falar das paixões que me inquietam
Sem o céu cheio de prata e sem a brisa das manhãs?
Não xingueis a mim se porventura parecerem
Os meus versos financeiros, eletrônicos, criminais, policiais.
E agora, meu poema, que te faço, que te faço?
Ah, meu poema(!), insistente e teimoso erro repetido
Ao longo destes anos e decênios tão compridos,
Transformado em coisa vil a demandar saco de lixo.
Por que não imitei ou me alinhei a Baudelaire ou Mallarmé?
Por que diabo, meu poema, não fui ser parnasiano?
Ou então por que não fui concretista ou mesmo seiscentista
Ou qualquer coisa diferente do poeta que me fiz?
Meu poema, meu poema(!), dize a mim, enfim, poema,
O que faço, o que faço(!), o que faço ora de ti?
II
Há, poema, quem se queixe mesmo até
Das poéticas licenças de que abuso:
São licenças obtidas na prefeitura literária
(Mas que tirada infame em verso tão sem melodia! Arre!)
2012
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