--Conta a mim, Pai Oxalá,
Que foi feito de Xangô,
Baluarte da justiça,
Seu machado e seus trovões.
--Que podia, dize, ó, filho,
Contra os torpes seguidores
dos demônios poderosos
Travestidos de profetas?
"Iansã também morreu,
Consumida por seu fogo
E por obra de oradores
Que só pregam preconceitos."
--E de Oxóssi o que me dizes?
Que tem feito pelas matas
Nestes tempos tão malditos
De matar floresta e bichos?
--Afogado nos garimpos,
Por mercúrio envenenado,
Por grileiro, incinerado,
Moto-serra o retalhou.
"Iemanjá foi atolada
Em tapetes de óleo preto,
Ante o riso de homens sórdidos
que desprezam natureza."
"Pobre Oxum, foi ofendida,
Espancada por racistas,
Foi chamada de 'devassa',
Foi expulsa do País."
"Foi Exu também recluso,
Nomeado 'meliante',
Encerrado a sete chaves:
Não há mais um mensageiro."
"Omolu não fez mais curas,
Foi chamado 'charlatão'
Por pastores de mentira,
Milionários crimonosos."
"Ossaim se viu proibida
De curar com suas ervas
Usurpadas pelos brancos
Que detêm laboratórios."
"Espancado Oxumaré
Por ser macho e por ser fêmea.
As milícias 'moralistas'
O proíbem de dançar."
"E Nanã, capturada
Lá do fundo dos seus rios,
Foi trancada como louca
Torturada a eletrochoques."
"Ai, agora um negro odeia
Os irmãos da mesma raça.
Vejo os índios sendo mortos,
Declarados inimigos,
Quilombolas humilhados,
Declarados parasitas."
"Deus agora é o deus dos brancos
Arrogantes e cruéis.
Nunca vi tanto racismo
Numa gente tão mestiça:
Vou fugir lá pra Nigéria,
Vou pra Togo ou pra Benin,
Mas não fico nestas terras:
Negro aqui não pode, não."