CONFISSÃO DO REPULSIVO
Eu capitulei à pressão esmagadora do poder,
O meu medo foi maior que o ódio. Meu Deus!
Logo o meu ódio, que eu sempre amei,
Por que tanto zelei, que tanto preservei!
Eu beijei as mãos do poder,
Para não ser, é claro, por ele massacrado...
Mas eu beijei as mãos do poder!
Eu me ajoelhei diante do poder e lhe fiz reverências,
E o meu ódio era antes a única coisa que eu tinha.
Eu agora sou abjeto, vil, sujo e mesquinho.
Nada agora me ficou senão a inveja do heroísmo dos covardes,
Da grandeza dos traidores e da dignidade dos vermes.
Eu, que agora invejo a imponência dos bêbados desistentes da vida,
Que se sentam sozinhos ao fundo dos bares
E se matam aos poucos de tanto beber.
1996
MEUS ÍDOLOS
Não, os meus ídolos jamais foram deuses:
Nunca passaram de meros seres humanos
Com todas as fragilidades e seguranças,
Maldades, bondades, torpezas, nobrezas,
Tudo aquilo que é próprio dos homens.
Nunca foram nada, nada mais do que gente
E por terem, em sua arte, com muita arte,
Aludido às coisas de gente, manifestado coisas de gente,
Sempre foram em sua pequenez extremamente elevados.
E, ainda, porque sempre me fascinaram
Com sua obra divina, miraculosa e alta,
É que, reles, mostraram-se deuses mais deuses
Que a minha parca noção de deuses pode conceber.
1996
ÊXTASE
Os sinos repicaram, todos os sinos
De todas as igrejas, todas catedrais.
O dia cantou, encheu-se de cores,
Brilhou como um sol jamais vi brilhar.
As nuvens formaram figuras álacres,
No vento eu senti um odor de folia;
Meu peito vibrou, trepidou de euforia,
Explodiu o seu êxtase por todo o planeta.
Ela me ama... Que bom! Ela me ama!
1997
EQUIPAMENTOS DE PENSAR
Não, não se dê trabalho;
Não, não se dê ao trabalho
De pensar:
Você já tem um cérebro eletrônico
Chamado televisão
Para fazê-lo por você.
Poupe massa cinza,
Deixe que a tevê trabalhe
Por sua cabeça.
O que você acha do mundo?
Não responda de pronto:
Pegue um jornal na banca,
E ele acha em seu lugar.
Em quem você deve votar?
Não gaste seus neurônios:
Ligue o rádio, ele decide
Que nome sufragar.
O que é o bem e o que é o mal?
Por favor, não queime a mufla:
Abra apenas a revista,
Que ela logo lhe dirá.
Veja, caro amigo,
Os tempos agora são bem outros,
Você não precisa mais pensar.
Por favor, não pense!
1997
COMEÇANDO E TERMINANDO PELO POETA VAGABUNDO (SATURE-SE DA FIGURA DO POETA VAGABUNDO E DA PRÓPRIA EXPRESSÃO EM SI, ALÉM DA FARTA REPETIÇÃO DAS IMAGENS E CENÁRIOS QUE O ENVOLVEM)
( O POETA VAGABUNDO)
O poeta vagabundo:
Vagabundo por repudiar trabalho
E também por ser um bardo dos chinfrins,
Já poeta porque inventa frases líricas,
Porque toca, sofre e canta ao violão.
Homenzinho insano, incomum, meio doido,
Já criou costume de parar no tempo
E também no espaço pra fitar estrelas,
Divagando tanto, ousando fantasias
Que não vi neste mundo um louco sonhar.
Comove-se co’a musa que adentra o bar,
Achega-se a ela e lhe diz galanteios
Com olhos luzentes e tão fascinados,
Que parece menino.
Quando solitário, acomoda-se à mesa
E consome-se em porre pela morena
Que o abandonou
E a linda mulata que o já encantou.
Esse vagabundo, na rua lotada,
É apenas um ser sozinho e errante
Que para de repente e faz novamente
Que pare o tempo só pr’ele contemplar
O céu azulzinho do dia de sol.
Esse coisa-à-toa caminha perdido,
Soturno e sem rumo na rua deserta,
Quando sua alma é sombria, escura, sem luz.
Despojado, informal, parece esses anjos
Desgarrados dos outros, que ficam bebendo
Nos bares alegres, em vez de ir pro Céu.
Incapaz de acatar, não sabe dar ordens.
Parece um cão solto deitado nas ruas:
Lírico e livre, o que mais ele lembra?
Talvez as cigarras, talvez borboleta...
II
( CIDADE SEM ALMA )
Que Rio emprestaria
Um poeta vagabundo,
Livre, avesso ao trabalho,
Pr’eu fazer uma canção?
Onde eu encontraria
Uma bela libertina
A aceitar propostas lúbricas,
A beber num botequim?
Onde o Rio acharia
Um malandro zombeteiro,
Imbatível na "purrinha",
Dedilhando um violão?
Que birosca mostraria
Um amante abandonado,
Só, tristonho, embriagado,
A chorar de dor de amor?
Em que bar eu veria
Bebedores animados
A cantar Tom e Vinícius,
A falar de bossa nova?
Nos romances, devaneios,
Nas canções que ouço do rádio,
Nas imagens de outras décadas
Que eu vejo na tevê.
Rio insosso, tão sem graça,
Com seus bares burocráticos
De "menu" sofisticado
E ambiente de escritório.
Botequins sem alegria,
Onde fala-se de crimes,
De dinheiro, carestia,
Onde bebem-se queixumes.
Zona Sul e Centro belos,
Os mais belos dos infernos,
Com seu trânsito empacado
E as buzinas estridentes.
Violência organizada,
O subúrbio amarrotado
E essa ausência de alegria,
Essa ausência de tristeza.
Este Rio que não canta,
Que não ama, que não chora,
É assim como um autômato,
Desconhece a poesia.
II-II
O bar onde eu bebia estampava um imenso pôster do Rio antigo,
E isso me apertava o peito.
O Instituto Oswaldo Cruz contrasta com o panorama feio e desumano da Avenida Brasil,
E isso também me aperta o peito.
Os romances de Machado de Assis apertam meu peito
De saudades. Saudades! Que saudades!
Eu tenho saudades de um tempo que não vi nem vivi!
Eu tenho saudades de um Rio que não conheci!
III
Que poeta vagabundo
Ávido de vida
Chegaria à porta da bodega
Para olhar a lua cheia?
Que poeta encantado
Pararia no tempo e no espaço
Para ouvir canções amenas
E depois, tresloucado, versejar?
Que menina enamorada,
No silêncio de um quarto,
Revolveria as gavetas
Para ler cartas de amor?
Que velho passaria
As tardes mansas de outono
A balançar-se na cadeira,
Numa paz de dahlai lahma?
O poeta não existe,
Está preso, encerrado,
Fechado nestes versos,
Nesta minha fantasia.
A menina é pragmática:
Tem uns cinco namorados
Que não ama, e tem um verbo
Tão concreto, que eu me assusto.
E o velho na cadeira
Só sossega porque os ossos
Doem quando em movimento:
Quieto, amarga a existência.
Nenhuma poesia no ar,
Nada de belo há no ar,
Todos parecem não ter sentimentos.
A vida é fria, mecânica,
E nós, seres robotizados,
Com projetos, mas sem sonhos,
Nascidos para, produzindo, cumprir nosso papel no contexto econômico
E depois morrer:
Nós somos assim como a máquina dos carros.
IV
As metrópoles não têm alma,
O mundo não tem alma:
O mundo é uma vastidão descomunal sem alma!
V
Eu sou apenas um insípido cidadãozinho que tem compromissos, chefe e cumpre ordens e
[ deveres;
Eu não sou mais que um burocratazinho com seu odor enjoativo de
[ carimbo.
Como eu desejaria, como eu amaria ser o poeta vagabundo!
1996
Quando eu morrer, não quero deixar saudades,
Nem quero ser lembrado com amor ou doçura.
Quero apenas que não se esqueçam do meu desamor.
Quero apenas que não se esqueçam do meu mau-humor.
O meu medo foi maior que o ódio. Meu Deus!
Logo o meu ódio, que eu sempre amei,
Por que tanto zelei, que tanto preservei!
Eu beijei as mãos do poder,
Para não ser, é claro, por ele massacrado...
Mas eu beijei as mãos do poder!
Eu me ajoelhei diante do poder e lhe fiz reverências,
E o meu ódio era antes a única coisa que eu tinha.
Eu agora sou abjeto, vil, sujo e mesquinho.
Nada agora me ficou senão a inveja do heroísmo dos covardes,
Da grandeza dos traidores e da dignidade dos vermes.
Eu, que agora invejo a imponência dos bêbados desistentes da vida,
Que se sentam sozinhos ao fundo dos bares
E se matam aos poucos de tanto beber.
1996
MEUS ÍDOLOS
Não, os meus ídolos jamais foram deuses:
Nunca passaram de meros seres humanos
Com todas as fragilidades e seguranças,
Maldades, bondades, torpezas, nobrezas,
Tudo aquilo que é próprio dos homens.
Nunca foram nada, nada mais do que gente
E por terem, em sua arte, com muita arte,
Aludido às coisas de gente, manifestado coisas de gente,
Sempre foram em sua pequenez extremamente elevados.
E, ainda, porque sempre me fascinaram
Com sua obra divina, miraculosa e alta,
É que, reles, mostraram-se deuses mais deuses
Que a minha parca noção de deuses pode conceber.
1996
ÊXTASE
Os sinos repicaram, todos os sinos
De todas as igrejas, todas catedrais.
O dia cantou, encheu-se de cores,
Brilhou como um sol jamais vi brilhar.
As nuvens formaram figuras álacres,
No vento eu senti um odor de folia;
Meu peito vibrou, trepidou de euforia,
Explodiu o seu êxtase por todo o planeta.
Ela me ama... Que bom! Ela me ama!
1997
EQUIPAMENTOS DE PENSAR
Não, não se dê trabalho;
Não, não se dê ao trabalho
De pensar:
Você já tem um cérebro eletrônico
Chamado televisão
Para fazê-lo por você.
Poupe massa cinza,
Deixe que a tevê trabalhe
Por sua cabeça.
O que você acha do mundo?
Não responda de pronto:
Pegue um jornal na banca,
E ele acha em seu lugar.
Em quem você deve votar?
Não gaste seus neurônios:
Ligue o rádio, ele decide
Que nome sufragar.
O que é o bem e o que é o mal?
Por favor, não queime a mufla:
Abra apenas a revista,
Que ela logo lhe dirá.
Veja, caro amigo,
Os tempos agora são bem outros,
Você não precisa mais pensar.
Por favor, não pense!
1997
COMEÇANDO E TERMINANDO PELO POETA VAGABUNDO (SATURE-SE DA FIGURA DO POETA VAGABUNDO E DA PRÓPRIA EXPRESSÃO EM SI, ALÉM DA FARTA REPETIÇÃO DAS IMAGENS E CENÁRIOS QUE O ENVOLVEM)
( O POETA VAGABUNDO)
O poeta vagabundo:
Vagabundo por repudiar trabalho
E também por ser um bardo dos chinfrins,
Já poeta porque inventa frases líricas,
Porque toca, sofre e canta ao violão.
Homenzinho insano, incomum, meio doido,
Já criou costume de parar no tempo
E também no espaço pra fitar estrelas,
Divagando tanto, ousando fantasias
Que não vi neste mundo um louco sonhar.
Comove-se co’a musa que adentra o bar,
Achega-se a ela e lhe diz galanteios
Com olhos luzentes e tão fascinados,
Que parece menino.
Quando solitário, acomoda-se à mesa
E consome-se em porre pela morena
Que o abandonou
E a linda mulata que o já encantou.
Esse vagabundo, na rua lotada,
É apenas um ser sozinho e errante
Que para de repente e faz novamente
Que pare o tempo só pr’ele contemplar
O céu azulzinho do dia de sol.
Esse coisa-à-toa caminha perdido,
Soturno e sem rumo na rua deserta,
Quando sua alma é sombria, escura, sem luz.
Despojado, informal, parece esses anjos
Desgarrados dos outros, que ficam bebendo
Nos bares alegres, em vez de ir pro Céu.
Incapaz de acatar, não sabe dar ordens.
Parece um cão solto deitado nas ruas:
Lírico e livre, o que mais ele lembra?
Talvez as cigarras, talvez borboleta...
II
( CIDADE SEM ALMA )
Que Rio emprestaria
Um poeta vagabundo,
Livre, avesso ao trabalho,
Pr’eu fazer uma canção?
Onde eu encontraria
Uma bela libertina
A aceitar propostas lúbricas,
A beber num botequim?
Onde o Rio acharia
Um malandro zombeteiro,
Imbatível na "purrinha",
Dedilhando um violão?
Que birosca mostraria
Um amante abandonado,
Só, tristonho, embriagado,
A chorar de dor de amor?
Em que bar eu veria
Bebedores animados
A cantar Tom e Vinícius,
A falar de bossa nova?
Nos romances, devaneios,
Nas canções que ouço do rádio,
Nas imagens de outras décadas
Que eu vejo na tevê.
Rio insosso, tão sem graça,
Com seus bares burocráticos
De "menu" sofisticado
E ambiente de escritório.
Botequins sem alegria,
Onde fala-se de crimes,
De dinheiro, carestia,
Onde bebem-se queixumes.
Zona Sul e Centro belos,
Os mais belos dos infernos,
Com seu trânsito empacado
E as buzinas estridentes.
Violência organizada,
O subúrbio amarrotado
E essa ausência de alegria,
Essa ausência de tristeza.
Este Rio que não canta,
Que não ama, que não chora,
É assim como um autômato,
Desconhece a poesia.
II-II
O bar onde eu bebia estampava um imenso pôster do Rio antigo,
E isso me apertava o peito.
O Instituto Oswaldo Cruz contrasta com o panorama feio e desumano da Avenida Brasil,
E isso também me aperta o peito.
Os romances de Machado de Assis apertam meu peito
De saudades. Saudades! Que saudades!
Eu tenho saudades de um tempo que não vi nem vivi!
Eu tenho saudades de um Rio que não conheci!
III
Que poeta vagabundo
Ávido de vida
Chegaria à porta da bodega
Para olhar a lua cheia?
Que poeta encantado
Pararia no tempo e no espaço
Para ouvir canções amenas
E depois, tresloucado, versejar?
Que menina enamorada,
No silêncio de um quarto,
Revolveria as gavetas
Para ler cartas de amor?
Que velho passaria
As tardes mansas de outono
A balançar-se na cadeira,
Numa paz de dahlai lahma?
O poeta não existe,
Está preso, encerrado,
Fechado nestes versos,
Nesta minha fantasia.
A menina é pragmática:
Tem uns cinco namorados
Que não ama, e tem um verbo
Tão concreto, que eu me assusto.
E o velho na cadeira
Só sossega porque os ossos
Doem quando em movimento:
Quieto, amarga a existência.
Nenhuma poesia no ar,
Nada de belo há no ar,
Todos parecem não ter sentimentos.
A vida é fria, mecânica,
E nós, seres robotizados,
Com projetos, mas sem sonhos,
Nascidos para, produzindo, cumprir nosso papel no contexto econômico
E depois morrer:
Nós somos assim como a máquina dos carros.
IV
As metrópoles não têm alma,
O mundo não tem alma:
O mundo é uma vastidão descomunal sem alma!
V
Eu sou apenas um insípido cidadãozinho que tem compromissos, chefe e cumpre ordens e
[ deveres;
Eu não sou mais que um burocratazinho com seu odor enjoativo de
[ carimbo.
Como eu desejaria, como eu amaria ser o poeta vagabundo!
1996
Quando eu morrer, não quero deixar saudades,
Nem quero ser lembrado com amor ou doçura.
Quero apenas que não se esqueçam do meu desamor.
Quero apenas que não se esqueçam do meu mau-humor.
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