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domingo, 30 de setembro de 2007

INFÂNCIA

Eu morava na esquina da rua Tomás Lopes com a rua Helvétia,
A rua Helvétia era intransitável para os carros
E servia por isto, para nós, meninos, toda tarde de campo de futebol.
Ambas as ruas eram descalças e mal-iluinadas,
E nós, meninos, toda noite brincávamos de pique por ali.

“Pique-tá”, “pique-ajuda”, “carniça”, “pique-esconde”, “pique-bandeira”,
E a gritaria e a correria alvoroçavam as noites.
Eu não conhecia ainda o caráter humano e o ódio.

Éramos todos crianças pobres, e a simplicidade das nossas casas e das nossas vidas era doce
[ e romântica.
Quase toda noite passava uma lindeza de moça adulta (tinha lá seus dezoito anos) que me
[ beijava no rosto,
E aquele beijo era como uma dádiva dos céus.
Era como se aquela diva fosse a própria Vênus e, despida e lúbrica, a mim se entregasse.
Era tão bom sonhar!... Era paraíso e era volúpia.

Algumas noites a meninada se reunia sentada no muro de minha casa,
E ficávamos contar histórias de assombrações:
Era tão bom sentir medo...!

Eu era feliz como um potro solto na várzea
E não conhecia ainda o desgosto e a dor.
Eu vivia a mais bela poesia...
Deus(!), eu vivia a mais aprazível poesia.

Como dói em mim a saudade!
Eu acreditava nos santos protetores,
Eu acreditava em Deus e nos homens.
Eu acreditava na vida e era puro sonho e pura esperança;
Eu acreditava num amanhã ainda mais feliz do que aqueles dias.

Eu não tinha este gosto amargo entranhado na língua da alma.
Eu não tinha este tédio, este cansaço, esta náusea das coisas.
Eu era menino, puro, simples, inocente:
Eu era um anjo que me deliciava das maravilhas do Éden.

 1995

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