Se o homem não fosse tão perverso...
Se o homem não fosse tão sem vísceras...
Se o homem não fosse tão mesquinho...
Se o homem não fosse só ganância
E a mais pura, mais inteira sordidez,
Não precisaria o religioso fervoroso,
Cruel também como qualquer de nós,
Ansiar tão cruelmente pela volta do Messias,
Para este, imbuído da mais pura crueldade,
Condenar-nos a arder nas entranhas do inferno.
1999
VERSEJAR
Eu quero versejar o amor que me afaga o peito.
Eu quero versejar o ódio em brasa que chamusca meu peito.
Eu quero fazer canto da dor a latejar
Aqui dentro do meu peito apertado
E do calafrio de tristeza que me encolhe e me contrai.
Mas quero também expressar a dilatação do meu coração diante da alegria;
Mas quero também fazer estrofes de deboche e de ironia.
Só não quero é silenciar meu verso.
O que eu quero é parar no meio do mundo
E, abrindo os braços, por todo motivo, bem alto cantar.
1998
DEVANEIOS
Se outras vozes ecoassem, poderosas, retumbantes,
proclamassem a mais inteira, absoluta das justiças...
Se os homens de alma intrépida e tão forte como ferro,
de heroica ousadia e de coragem leonina
não tivessem sucumbido sob as patas da maldade...
Se as ideias florescidas fossem nuas de ganância,
e a gente se irmanasse e se tornasse a mais sólida corrente...
Se este sítio desse à gente os bons frutos deste sítio...
Eu pegaria nas mãos punhados de terra que beijaria ardentemente,
na volúpia de criança a chupar manga no quintal.
1999
A POESIA DO COTIDIANO
Os carros, o asfalto, o concreto, a correria
Das pessoas que adentram, superlotam conduções.
As sacolas, as maletas, as buzinas e os sinais.
Mulheres nos portões à espera dos maridos.
O pai botou o filho pra casa a safanões.
A morena ficou linda no vestido esvoaçante.
Nas vitrines, roupas, ferramentas, alimentos.
Um comerciante comemora bons negócios,
E o trânsito irritante já começa a emperrar.
Numa casa simples alguém ouve a Ave-Maria.
Gente a saltar dos ônibus, chegando do trabalho.
Um pardal retardatário procura pelo ninho.
Uma moto quase bate contra um carro,
E o homem de casaco que ali passa
Mais parece um marginal.
Na fachada de uma casa, há a estátua de um santo.
Casais adolescentes se encontram nas esquinas.
No céu há um filete de sol a se esconder.
A gente já começa a entrar nos botequins.
Nas mentes há projetos ou vagos pensamentos,
Nos corações, emoções ou letargia.
A mulher gorda traz bolsas cheias do mercado.
Um grupo de homens discute futebol.
Carros de todos os tipos passam soprando fumaça.
Ruas suburbanas, poeirentas e cinzentas,
O fim da tarde, os bares, os carros, os casais:
É o crepúsculo a se cobrir da cotidiana poesia.
1997
CONSOLO NA CERTEZA DA MORTE
Não chores, não rias, não cantes,
apenas fica imóvel, permanece imóvel.
Não te angusties, não te inquietes,
apenas fica imóvel, permanece imóvel
e calado,
e mudo,
estático,
parado.
Fica quieto, porque o tempo nunca para,
porque a morte é infalível,
porque o tempo leva à morte,
que te será a consolação.
A morte, que te acolherá nos braços gélidos
e, fria, te afagará o peito ferido
e, silenciosa, te abraçará em sua frigidez noturna,
e assim dará o conforto e o bálsamo de que tua alma em dores necessita.
A morte, que te aconchegará em seu peito frígido,
que te acarinhará como se tu fosses criança
e como fosse ela a tua mãe.
1999
Espaço com a predominância do lirismo e com poemas de amor e paixão, mas com versos acerca de temas diversos, como a questão sócio-política, os tipos vistos nas ruas, o poder, as pessoas e seus sentimentos. Manifestações de inconformismo, de amor aos animais, de amor romântico, de sensualidade, de tristeza, de alegria, de humor, além do olhar sobre as coisas do mundo. Contatos pelo e-mail: baraodamata2@gmail.com
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