sábado, 15 de agosto de 2020

ROSANE

Rosane acordava cedinho,

De café, pão, queijo , manteiga

Às vezes se regalava.

Rosane acordava cedinho,

Às vezes não tinha nada.



Rosane, a mãe, duas filhas,

Três anos e cinco de idade,

Viviam numa casa pequena, 

No meio de uma favela.

Agarrava alguns dias as filhas,

Ouvia o estampido dos tiros

Quase a vazar as janelas.



Rosane descia o morro,

Se dava a fazer seus biscates:

Lavava, passava e limpava,

Subia levando sacolas

Com carne, cereais, goiabada.



Finais de semana bebia,

Brincava, sorria e dançava,

Gostava de um homem, se dava.

Quando raiava o dia,

Subia o morro, apressada.



Domingo ela ia à igreja,

Orava ardentemente, cantava,

Nem sabia por que é que orava,

Nem sabia por que cantava.



Rosane brincava na noite,

Nem sabia por que brincava.

Rosane sorria na noite,

Nem sabia por que sorria.

Rosane dançava na noite,

Nem sabia por que dançava.


CLAMORES NA ESCURIDÃO

Dança, tarde,

Como se amanhecera o tempo inteiro.

Canta, aurora,

Através do coral de passarinhos.

Samba, dia,

Como estiveras na quadra sob música,

Como se foras dançarinas de espetáculos.

Doura, sol,

Os chãos, as casas, as praças e os caminhos;

Faze acender o dia novamente,

Traze os gorjeios que eu ouvia antigamente

E que inundava de lindeza a viveza das manhãs.


VERSOS DE MEDO E TRISTEZA

Rostos tristes

E assustados ante a noite opaca e sem lua.

Tudo é breu,

É pavor, é morte, desespero, só tristeza.

Foi-se embora do planeta a aurora

Passarinhos cantam cantos inauditos,

Tentando despertar a vida inutilmente.

Agora é noite,

É profunda noite negra que não finda,

Inclemente inferno que se abate sobre os homens,

Enquanto os céus se fazem surdos às orações.

Solidão

Imperando nas ruas, cidades e bairros,

E um olhar desconsolado n'algum beco.

A doença cuspiu na poesia

E a fez feia, prostrada e moribunda,

Noite triste

E assombrosa a assustar os corações.

Não, nunca amanhece,

Não  mais há  manhãs nem tardes, mas somente

Algum crepúsculo e as madrugadas de silêncio sepulcral.