segunda-feira, 20 de setembro de 2021

NÃO PENSE EM MIM

 Quando a noite for  calada e for escura de amedrontar,

Quando o dia teimar, obstinado, em não chegar,

Quando o silêncio se apossar da casa: a sala, o quarto, 

A cama, os cômados, a mesa, as janelas e o sofá,

E a solidão pousar sobre o seu corpo as mão geladas,

Não se lembre, por favor, por um minuto sequer de mim.



Quando quiser fugir da escuridão, da dor, do medo,

Mas nada salvo o abismo houver ante os seus olhos,

Não, não pense em mim, nem mesmo um único segundo,

Nem tente imaginar a claridade que até que poderia

Ter sido o nosso mundo, que é  imaginário, que não nasceu.



Vá, encare a noite, o frio, o tédio, o abismo

E atire-se no mais profundo do mais profundo

Do mais profundo breu  silente que se venha a apresentar...

Mas não pense, não, jamais em mim...

Pois sigo sempre e só será você lembrança vaga,

Tão desbotada, tão fugidia, sem relevância,

Que até seu nome, eu  asseguro, esquecerei.


domingo, 12 de setembro de 2021

O TEMPO E A PANDEMIA

Tinha os meus dezoito, a juventude,

Tinha a minha tristeza descabida

E as  calçadas  da Penha tão festiva,

Das acesas noites de verão.

Tinha as moças em vestidos diminutos,

Espalhando beleza pelas ruas

E os bares destilando carnavais.


Tinha os meus cinquenta e a viveza,

A poesia irresistível do pecado,

O Severina de Laranjeiras em festa,

Um desejo de viver tão permanente,

Um soltar-me pelas luzes da cidade.


Os sessenta adentrei alegremente,

Fincando os pés na alegria de Araruama,

Degustando um poema  ensolarado,

E  me enchi de sentimentos coloridos:

Tempo doce de viver, beber e amar.


Mas chegou de repente a pandemia,

E busquei um quieto lugar em Minas,

E, bem antes da entrada nos setenta,

Eu me vi como na casa dos noventa,

Prisioneiro de um tédio melancólico,

E vegeto num pavor inominável

Pois é tempo de clausura, dor e morte.