segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

AMOR E POESIA

Quero acordes de viola em amena madrugada;
Quero o amor eternizado numa frase emocionada;
Quero os olhos meigos de menina enamorada
E os afagos dos meus cães tão pueris.

Acordar purificado como praias cristalinas
E colina a se enfeitar da claridade.
Quero amar assim tão grande e docemente
Qual tornado uma energia só de amar.

2011

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

SE A TRISTEZA VIER

Se a tristeza lhe quiser destruir o apego à vida,
Viva como se fosse adolescente novamente,
Como abrisse o peito ao vento e no vento pressentisse
O nascer de um tempo cheio de alegria colorida.
Viva como fosse inda capaz de ter sonhos descabidos
E ante o mundo um olhar  juvenil e tão perplexo...

Viva como se pudesse apaixonar-se loucamente,
Como inda fosse menino a brincar de pés no chão;
Como ainda na iminência da primeira entre as orgias.
Vibre qual diante de uma princesa vulgar ou refinada
A despir-se, decidida a saciar os seus desejos.

Beba e se embriague, esquecendo a esteatose,
Como fosse novamente pura flor da juventude
E se visse cobiçado pelas jovens da boate.

Sinta como um cheiro de poema lhe viesse abrir as ventas
E invadir essa alma queda para dela se apossar,
E fazê-lo desejoso de um amor desmesurado.

Viva como fosse a dura vida uma festa tão somente,
Qual tivesse passarinhos a brincar nas suas mãos,
Qual pudesse pôr no mar os pés todos os dias
E sua alma não sentisse dor jamais.

2011

domingo, 18 de dezembro de 2011

LINDAURA, A FILHA DA TERRA

Lindaura era filha da terrra,
Ou mais, era bicho da terra,
Era coisa da terra, assim como arara,
Assim como as lendas, assim como as onças,
Assim como as antas, jacus, gaviões.

Lindaura, mulher de família,
Colhia castanhas, mãos dadas co'a mata,
Criava seus filhos, amava o marido,
Amava esta vida, na paz mais completa.

Lindaura, porém, jamais esperara,
Que um monte de bestas, com foices e serras,
Com armas em punho e seus olhos de monstro,
Fizesse da mata um paiol de madeira.
Matassem as onças, jacus, gaviões,
Matassem seu homem, roubassem-lhe a terra,
A paz, a alegria, projetos e sonhos.

Lindaura, sem terra e sustento,
Desceu lá do norte, fincou pé no Rio,
Depois das agruras e mil provações
Vividas em tantas cidades distintas,
Depois de ser tudo o que nunca pensara:
Meretriz e mendiga, faxineira também.

Lindaura, hoje em dia, tão longe da terra,
Do lixo das ruas que ganha seu pão.
Tem dores no corpo, saudades doídas,
Dois filhos no crime, um morto de dengue.
Menor de cinquenta, parece tão velha,
Desejos, se tem, são todos de morte,
Se tem esperança, é o rumo do tempo,
Que um dia a irá suprimir deste mundo.

2011

LABIRINTO

Quando te comprimes entre tua infinita tristeza
E as paredes da tua casa cerrada para o mundo...
Quando o rebuliço do mundo tão cheio de fatos e gente e surpresas
Não mais te convida ou te faz curioso...
Quando tudo te parece noite, não a noite dos poetas,
Dos lascivos e dos incorrigíveis boêmios,
Mas a noite deserta e de escuridão cegante,
Produzida pela tua incessante melancolia...
Quando não te parece mais haver desejos,
Projetos, claridade, horizonte ou nascer de outro dia...
Quando te parecem iguais rigorosamente todos os dias...
Que morte desejas do fundo do teu peito dolorido
E temes de forma insana, das brenhas  da tua alma aterrorizada,
Atemorizada diante da morte e da vida ?
Em que labirinto assustador te coloca essa  tristeza?
Como suportas, decifras e conduzes o desejo e o medo da morte
E a tua existência angustiante e tão sem solução?

2011

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

SUA PRESENÇA

O que move o meu verso a se fazer
Um festejo à vida e meus momentos
É a sua presença em minhas noites,
Suas mãos de seda em minhas mãos.

O que faz as tardes tão alegres,
Mas de rara, de alegria sem igual,
É seu rosto, que é bonito e que é de moça,
Seu semblante ansioso de viver.

Se me trazem as manhãs tantos poemas,
É que tenho sua pele em minhas noites       
E a imagino em meu mundo eternamente,
E a suponho alvorada para sempre,
Um querer-cantar que não tem fim.

2011

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

AMOR VERDADEIRO II

Venha, adoce o dia do seu verbo meigo,
Sua fala de criar cenários belos
E uma crença num futuro magnífico,
Amanhã repleto enfim de maravilhas.

Venha, abrace-me e aconchegue em seus carinhos,
No seu riso, nos seus braços delicados,
No seu ventre de mulher e seus suores,
No acalanto das palavras ao ouvido.

Venha e diga que a morte nada muda,
Que arderemos numa alcova do outro mundo,
Correremos pelos campos e riachos,
Num amor fogoso, amigo e sem final.

2011

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

A RAINHA DAS CANÇÕES

Se eu pudesse traduzir em poesia
O milagre tão sublime em quando cantas,
Eu seria o poeta dileto dos arcanjos,
Pois teu canto é qual paixão, amor, é qual volúpia:
Só se sente num deleite, não se pode descrever.

A beleza do teu canto é leve e pura
É tão simples como flor que desabrocha
E complexa como a oculta ação dos elementos
Que permitem qualquer rosa vicejar.

Se as pessoas fossem justas, de bom senso,
Renderiam homenagens ao teu canto,
Em tão gratas e tão doces reverências:
Saberiam que és rainha das canções.



A Shirley Carvalho, cantora brasileira de talento raro e que, injusta e incompreensivelmente, não está no rol dos cantores mais aclamadosdeste país.
Se você quer conferir,  clique e veja:
http://www.youtube.com/watch?v=5PieXbVhYS4&feature=related

2011

domingo, 27 de novembro de 2011

VIVA

Vá, bonita, e deixe a vida entrar pela janela,
Abra os  olhos,   veja enfim que é primavera.
Deixe  o sol remover o mofo das paredes
E da alma mergulhada em lassidão.

Ande , bela, e desça à rua, que é vibrante,
Que é tão cheia de automóveis e pessoas,
Fale, brinque e se embriague da alegria alumiada,
Da euforia e das bebidas que há no bar.

Vá viver uma paixão tão tresloucada
De fazer se arrepiar qualquer cristão.
Vá, bonita, e sinta a alma tão intensa
Como o fogo que faz alguém sambar.

2011

terça-feira, 22 de novembro de 2011

COISA BONITA

Coisa bonita é mulher,
 Mulher se despindo ou vestindo,
 Soltando os cabelos ao vento,
 Jogando os seus olhos lânguidos
 Nos olhos de um felizardo.

Bonito é mulher andando,
 Fazendo dançar as ancas,
 Fazendo vibrar as nádegas,
 A encher de desejo os homens.

Bonito é mulhr sorrindo:
 Manhã, primavera súbita,
 História de amor eterno
 Ornada de orvalho e sol,
 Paixão sem medida ou siso.

Bonito é mulher falando:
 Desejo de a ter nos braços,
 Beijá-la por todo o corpo,
 Despi-la à luz de penumbra
 Da lua adentrando o quarto.

Bonito é mulher amando:
 A mim não ocorrem palavras
 Pra dar a medida exata
 E o nome das coisas que sinto,
 Que só quem traduz é o corpo
 E a  alma, jamais o  verbo.

2011

CANTA DE ALEGRIA

Canta de alegria, menina, não pranteies
 Os desenganos e tristezas que encontraste
 Na procura tão insana por aquilo
 Que, ao buscar,  comumente não se  encontra
 Mas que acaso pode vir de graça às tuas  mãos
 E - mas que ironia! - até pode  te cansar.

Canta de alegria por teu viço e teu carisma,
 Que tranbsbordam de viveza as ruas onde passas.
 Canta e saboreia a juventude, que reserva
 Um sem-fim de tempo, de esperanças e de acasos
 E surpresas e, em momentos mais inesperados,
 As mais várias razões de amar a vida.

2011

terça-feira, 15 de novembro de 2011

DIAS

Vivo a vida quase à toa:
Sou na sexta humorístico,
Sou no sábado analítico,
No domingo, parasítico,
Nas segunda, sou tão crítico,
Terça-feira sou raquítico,
Quarta-feira, quase místico,
Na quinta já não aguento mais:
Vou ali me matar e não volto.

Em momentos tão inúteis
Eu me deito inutilmente
E vejo um inútil programa
De uma emissora de inutilidade ainda maior.
Vou ali me matar e não volto.
Vou ali me matar e não volto.

2011

domingo, 13 de novembro de 2011

O SENTIMENTO DENTRO DE MIM

O sentimento que tenho em mim
É tão sereno como os acordes
Das melodias enamoradas
Das noites calmas e enluaradas.

O sentimento que canta em mim
Parece pluma, saudade leve,
É sinfonia de querubins,
É  acalanto, relva,  jardins.

O sentimento que pulsa em mim
Tem a quentura de um aguardente,
Pura tequila, conhaque, gim,
É labareda, lábios carmim.

O sentimento que grita em mim
É queda d'água, é turbilhão,
Mar em ressaca, chuva sem fim,
Banda com turba, tambor, clarim
O sentimento que canta em mim,
Um sol candente dentro de mim.

2011

(Por favor, é BANDA COM TURBA [= MULTIDÃO EM EBULIÇÃO] mesmo, não TUBA [=INSTRUMENTO DE SOPRO])

A VOLTA POR CIMA OU A GLÓRIA POSSÍVEL

Não era nenhum poço de virtudes,
Mas se desmanchou de amores por ele,
Que  até nas pobres cobras conseguia dar rasteira ,
Que fazia que o maior dos maiores vigaristas,
Parecesse um santo ou um seminarista.

Ela era sedutora, era lasciva,
Mas só dava seu corpo ao felizardo
Que lhe tocasse  a libido fortemente
Ou gerasse uma pecúnia ou vantagem parecida.
Já o escroque se mantinha das amantes,
Que era um grupo de mulheres vário e muito vasto:
Mocinhas, matronas, menores e balzaquianas,
Maduras, idosas e as não muito genuínas,
Tudo lhe sendo motivo pra se dar a traições.

Quando a moça se sabia traída ou desprezada,
Desabava a sentir-se a  derradeira das mulheres
E se via morta em vida, se arrastava pela vida,
Se danava nos seus prantos e cervejas vagabundas
E pedia a todo santo que o tornasse um ser fiel.

Quando o homem lhe ligava madrugada,
Ela punha porta afora o amante eventual
E se dava ao seu "herói tão principesco"
Numa imensa e singular sofreguidão.

Ela tinha o nome dele num papel sob a calcinha,
Murumurava o nome dele nas noitinhas de silêncio
E acordava lhe avistando o rosto na memória,
E a miragem lhe era fonte de alegria e amor à vida.

Mas um dia alguém mandou o seu amado
Prestar contas dos pecados lá no mundo de São Pedro,
E ela então se viu tão louca e desolada,
Tão sem rumo e horizonte, tão sozinha e tão sem chão.

Hoje é membro muito assíduo numa igreja barulhenta
E casou com um sujeito mais velho trinta anos,
Pobre, troncho, fraco, moralista, autoritário,
E dedica-se ao mendigos e à palavra do Senhor.

2011

NO TERREIRO

"Minha santa, traz de volta aquele moço,
Mas traz ele suplicante, tão pedinte,
Tão mendigo, que eu me apraza
Em limpar nele meus pés."

"Meu amigo, dá um jeito no meu chefe,
Faz que ele me olhe e não me veja,
Perca o cargo, o posto, o emprego,
Mas que eu tenha paz de vez por todas."

"Diz, meu santo, que presentes
Você quer pr'eu ter sucesso,
Pra fazer muito dinheiro,
Pra ter pompa e posição."

"Diz, mãezinha, como faço
Pra roubar João de Rita,
Pra que Zé nunca me deixe,
Pra trazer Durval pra mim."

"Diz, meu pai, qual o remédio
Pra que eu tenha uma parceira
Que me ame e aceite chifres,
Que me lave e calce os pés."

"Diz, menino, que mandinga
Pôr no mato pra que todos
Que me vejam me idolatrem
E abram portas para mim."

"O que eu pago pra que Tânia
A mim fique sempre atada
E que o peste do marido
Já nos saia do caminho?"

"Tira, pai, deste meu corpo
O "trabalho" tão danado
Que pessoa tão malvada
Fez pro fim do meu sossego."

"Não lhe peço, vó, pra ter fortuna,
Quero paz e ter saúde,
Mas não sei que flores, frutas
Eu arrio no jardim."

2011

SENTIMENTO ESTRANHO

Sentimento estranho
o sentimento seu,
que se alimenta da distância,
do abandono, indiferença
e do desprezo meu.

Sentimento mais bizarro,
que goza sob as dores da tortura
e que sorri nos dissabores,
que encontra na aflição imensa
a sua fonte de energia,
que se nutre do que mata,
se sustenta de veneno..

Sentimento mais insano,
que, correspondido, empalidece,
protra-se, definha
e desfalece como mortalmente:
mas que, repudiado, acende,
cresce, aviva-se e floresce
em manhãs de primavera.
Sentimento estranho
o sentimento seu.

2011

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

A INJUSTIÇA E A PAZ

Eu vejo a desesperança desenhada no olhar
Dos que se plantam nas filas da condução.
Eu leio o desalento nos rostos
Dos que mofam nas filas de desempregados,
Tendo sob um braço um jornal.
Eu sei da alegria acintosa dos raros homens
Que têm o mundo nas mãos.
Eu sei da inquidade cínica dos torpes
Que fazem do destino de multidões brinquedo
Para sua bestial satisfação.
Mas parece que só eu sei, ninguém mais:
O mundo me parece por demais ignaro.
Por isto, só me cabe temer por mim,
Pelos meus e tocar minha vida,
Esquecido dos percalços do mundo,
Eu, andorinha incapaz de fazer um verão,
Conformado por ser assim desde que o mundo é mundo,
Eu, já sem credo ou bandeira política,
Eu, em busca apenas de seguir em paz esta vida de tantos perigos.

II 

Não, eu não faria uma guerra ou revolução:
A mim não seduz a idéia de uma profusão de corpos inertes, exangues e desfigurados,
Num espetáculo medonho,
Muito menos me agrada imaginar mães chorando filhos mortos.
Não guerrearia, apenas diria não.
Todavia, como o mundo inteiro diz sim,
Só me resta repetir o sim proferido
E seguir a vida na brandura da paz.


2011

OS OLHOS NA ESCURIDÃO

Abri meus olhos na escuridão,
Mas poucos outros olhos porém se abriram,
E entre estes alguns eram trão embotados,
Que não ousei arriscar palavra de desagrado.

As trevas nunca se foram, mas tão-somente
Mudaram a própria natureza e feição.;
Trevoso sítio de gentes equivocadas
A sentirem uma inexistente felicidade.

Não, não quero a guerra, o sangue , a morte,
Não quero os donos do mundo com os seus chicotes
Em nossas costas, a nos tanger.
Assim, não sei do que nos valeria
Todos nós abrirmos os nossos solhos
E iluminarmos a escuridão.

2011

PROFUSÃO DE SENTIMENTOS

Choro quase nunca e quase nada,
Mas tenho sentimentos abundantes como vendavais e tempestades:
Amores na sofreguidão mais inteira, imensurável,
Na ternura protetora dos pais mais extremosos,
Tristezas, desalentos de trazer amor à morte,
Ódios carregados dos desejos mais malditos,
As mais vivas, retumbantes alegrias.
Choro quase nada e quase nunca,
mas meu peito é a profusão dos mais acesos sentimentos.

2011

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

NOSTALGIA II

Eu tenho saudade de Carla,
Que tinha os olhos serenos
E cheios de doce poema.

Eu tenho saudade da praça,
Da juventude zanzando,
Certa de um futuro sublime.

Eu tenho saudade das noites
E dos verões do passado
Me enchendo de ingênua alegria.

Eu tenho saudade das tardes,
Das tantas história contadas
Apenas pro tempo passar.

Eu tenho apenas saudades,
Não acho melhor o passado
E abraço com gana o presente.

2011

sábado, 10 de setembro de 2011

ADEUS

Adeus.
Ouvirei sua voz nos ventos,
Sentirei seu calor ausente
Nas noites de inconsolável tristeza.

Adeus.
Sentirei seu perfume leve,
Reverei o seu rosto belo
Onde você jamais estará.

Adeus.
Reviverei os momentos doces
Gravados na minha mente
E impossíveis de retomar.

Adeus.
Vou seguir tão somente a vida
Qual graveto ao sabor das águas,
Como um vulto perambulante,
Sem saber se pra sempre ou não.
Adeus.

2011

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

SUZANA

Lembro Suzana,
Que tocava piano nas tardes
E tinha um olhar inocente
E tão cheio de ânsia e querer.

Tinha o sol morno,
Que transpunha as janelas de vidro,
Rebrilhava no piso da sala,
E Suzana, embevecida, tocava.

Tinha o namoro,
E Suzana abraçava seu moço
E falava de tantos anseios,
Misturando projeto e quimera.

Tinha a noitinha,
E Suzana se enchia de estrelas,
Invocava lirismos noturnos
E dormia na paz dos arcanjos.

Voaram os anos,
E Suzana ficou no passado,
É figura desbotada na mente,
Poesia perdida no tempo.

2011

POEMA SINGELO

Eu faço este poema tão singelo
Só pra alma se sentir tão sem pecado
Como riso de criança pequenina,
Como brisa batendo na roseira,
Borboleta voando no jardim.

Eu faço este poema puro e simples
Como nuvens brancas no céu claro
E a beleza da morena na varanda,
Como ave pulando galho em galho,
Como vaso de planta no quintal.

Eu faço este poema leve como névoa,
Alvo qual cantiga de ciranda,
Pra que o peito exale só brandura
E a alma se sinta como brisa
A correr suave como a paz.

2011

MULHER DOS OLHOS SONSOS

Vem, mulher dos olhos sonsos,
Tão bonita, mineira e tão menina,
Fala assim qual recitasse
Um poema de saudade
A lembrar Minas Gerais.

Vem, assim como quem sonha,
Me falar de rancho e serra,
Me contar de noites claras,
De luares e sobrados,
De fazendas e quintais.

Vem, mulher do rosto belo,
Tão delícia e tão viçosa,
Tão singela e tão princesa,
Vem, assim como um açude,
Me inundar desta paixão.


2011

VÃO COM DEUS

Podem ir,
Me banir,
Repelir,
Desprezar,
Me pisar
Sem pesar:
Não lamento:
Não frequento:
Não aguento:
Só me ausento.

Sou tinhoso,
Sou teimoso,
Não me curo,
Não procuro,
Não pondero,
Nunca quero:
É maçante:
Tô distante,
Fico longe
Feito monge
Eremita –
Deus permita.
Vão com Deus.
Vão, adeus!

2011

LUGAR DISTANTE

Estou cansado da infâmia das pessoas e do mundo ao meu redor:
Vou partir para um recanto remoto, bem distante,
Muito longe da balbúrdia, da ganância e hipocrisia,
Bem a salvo deste sol impiedoso dos infernos,
Sem alcance prá torpeza, a ganância, a iniquidade.

Vou regalar-me dos ventos mansos e frescores deleitantes,
Num lugar de matas verdes e de bosques majestosos,
De cachoeiras e regatos, águas brancas, rios límpidos,
Onde ouvirei as mais sublimes e elevadas melodias
E, mais que tudo, cante a paz numa constância absoluta.

Inspirarei os cheiros bons da atmosfera perfumada,
Farei amor, imune ao tempo e sua fria tirania,
Farei carinho no ventre dos cachorros e dos gatos,
Verei voar os passarinhos mais bonitos, comoventes,
Me esconderei num canto bom da minha mente tão imunda,
E as noites cantarão para mim com a doçura das amantes devotadas,
E os dias terão a pureza de crianças se aquecendo ao sol sereno,
E as nuvens pousarão e enfeitarão as serras imponentes,
E eu me verei tão despojado da maldade e tão liberto das intrigas,
Que, leve, flutuarei entre sublimidades encantadas,
Na inefável paz dos anjos e dos santos, paz do Éden, do Nirvana...

2011

QUEM DE MIM...?

Se eu fosse teu amante mais fogoso,
Namorado mais intenso, afetuoso,
O teu homem mais viril, impetuoso,
Teu mulato espadaúdo, musculoso,
Teu herói destemido, valoroso...?

Se eu fosse teu poeta vagabundo,
Teu cantor de sentimento mais profundo,
Teu guerreiro tão audaz, tão iracundo,
Teu guru a te ensinar coisas do mundo,
Teu mentor de terras longes oriundo...?

Se eu fosse um milagroso feiticeiro,
O teu caso mais bonito e mais faceiro,
Mulherengo atrevido e aventureiro,
Teu galante e delicado seresteiro,
Teu entregue apaixonado violeiro...?

Quem de todos enfim preferirias,
Quem de mim, mulher, escolherias,
Para seres minha e só minha tão somente,
Pra me amares então dementemente?

2011

DOS DEUSES E DOS HOMENS

Se eu fosse Deus, ignoraria a humanidade...
Mas na verdade acho que Deus já nos ignorou
Ou então não mandaria larvas de vulcões e maremotos,
Tempestades devastadoras e ciclones enlouquecidos e implacáveis.

Não mandaria doenças e epidemias assoladoras,
Não mandaria a própria humanidade,
Experimento malsucedido, que é, além de sórdida,
Tão perniciosa e tenebrosa como qualquer moléstia ou
[catástrofe natural.


II

Eu não tenho fé.
Eu duvido da existência dos espíritos e deuses ou que nome possam ter.
Eu não creio num deus único, onipotente, onipresente, onisciente...
Não sei se há algo além do que captam os cinco sentidos
E, se algo há, não tenho a menor idéia do que possa porventura ser.
Porém, o que é certo, decidido e o que é peremptório
É que não creio nos homens em definitivo...
Não creio nos homens em definitivo.

2011

AS MÃOS DE DEUS

O meu canto se faz macio e leve e te acompanha
Como o vento que balança os teus cabelos longos
E o vestido fino que te veste a pele apessegada.

Eu te adivinho as emoções e os desejos mais ocultos,
Tão teu e tão dentro de ti me pressuponho,
Tão parte de ti, perplexo, me vejo.

Se há Deus, que Ele te siga com as mãos repletas de carinho,
Se não há, que te acompanhe a poesia
Como as mãos de Deus suavemente a te afagar.

2011

OUTRA QUASE CANTIGA DE RODA

Se eu fosse o trovador
Das noites estreladas,
Enfeitava o meu caminho
De poemas e de prata.

Se eu fosse o sementeiro
Do amor mais infinito,
Eu plantava a minha estrada
Do feitiço da emoção.

Se eu fosse o mensageiro
Dos deuses do lirismo,
Eu enchia o universo
Dos seus versos mais bonitos.

Se eu fosse um ser errante
Caminhando sob a lua,
Eu da lua então fazia
Um lençol de me aninhar.

Se eu fosse enfeitiçado
Dos olhos da morena,
Eu fazia da morena
Paixão de me entregar.

2011

UM SEU MOMENTO

Venha, moça, à minha casa,
E eu lhe conto histórias belas
De namoros e paixões.

Venha, moça, à minha noite,
E eu venero as suas formas
Em mil gestos sensuais.

Venha, moça, ao meu recôndito,
E eu escrevo versos brancos
A louvar sua presença.

Venha, moça, até meu quarto,
E eu afago os seus cabelos
E lhe beijo os lábios rubros.

Venha, moça, à minha casa,
E a protejo em meu abraço,
Dou-lhe a paz que existe em mim.

Venha dar-me um seu momento
E eu desejo que o momento
Não termine nunca mais.

2011

PEQUENA CIDADE DE MINAS

PEQUENA CIDADE DE MINAS

A terra
fresca
e o seu cheiro bom de vida.
Suor
dos homens
e os anseios das mulheres.

As mãos
de fêmea
salpicando a terra escura
de amor,
sementes
e de sonhos de futuro.

Os homens,
gozo
e a vida se plantando
em noites
calmas,
nas entranhas das mulheres.

Manhã,
os sinos,
os fiéis e a ladainha.

O sol,
a praça,
as crianças, brincadeiras.

A gente,
as vozes,
multidão que acende o dia.

Mocinhas
belas
e seus sonhos tão românticos.

Ah, Deus!
Mas como é belo o dia!
Como é bela a rua, a gente
e esse verde exuberante
e tão vivo desses campos!
Como tudo é, Deus, tão belo!
Salve, Deus, Minas Gerais!

2011

II

(APOCALIPSE DE MINAS)

Fiz um poema
com suor, com terra e Minas,
com igreja, praça e e povo,
mas os demônios
devastaram chãos e gentes,
destruíram mata e bichos,
e viu-se Minas
convertida em pura lama,
soterrada em venenosos minerais.

Sei que os maus homens
Que contemplam sempre os ricos
lhes serão muito indulgentes,
mas não, meu Deus,
perdoeis jamais os torpes
nem tenhais misericórdia,
pois os infames
laceraram meu poema,
e um inferno nasceu, descomunal.

2016

NÃO DESISTA, NÃO, AINDA

Não desista, não, ainda,
Se a rolinha que se aninha
Entre os ramos da mangueira
Quebra o tédio do seu dia.

Não desista, não, ainda,
Se esse céu azul e branco
Faz nascer um sentimento
Parecido co’a esperança.

Não desista, não, ainda,
Se Priscila, tão bonita,
Acenou lá da janela,
Num sorriso luminoso.

Não desista, não, ainda,
Se é bonita a Rio Branco,
Ipanema, tão alegre,
Que nos faz amar a vida.

Não desista, não, ainda,
Se há estradas e há caminhos,
Belas serras, lugarejos,
Pro prazer de viajar.

Não desista, não, ainda,
Se seus dias, vez por outra,
Vêm trazer certa alegria,
Não parecem tão iguais.

2011

QUE DIZERMOS DA VIDA?

Um pardal bebia água numa poça
E voou em fuga assim que me avistou:
Optou pela sede por me ver como ameaça.
Na natureza criaturas matam outras criaturas
Por fome ou território, por querer sobreviver...
Os homens, assassinos por instinto,
Precisam se proteger dos homens todo o tempo.

Todo ser precisa estar em alerta permanente,
Quer contra outros seres, acidentes ou turbulências naturais.
Há seres que sofrem física ou moralmente
Durante a maior parte da própria existência.
Seria então a morte a única paz possível?
Seria a vida então o próprio inferno?
Seria a existência, assim, ao invés de dádiva, o castigo mais cruel?

II

Uma suposta vida imaterial também teria percalços e martírios:
Então a paz, a tão almejada paz,
Só em não existir nós a encontraríamos?

2011

HUMANIDADE DESOLADORA

Soltar a voz, bradando num clamor insano
Por justiça, retidão, por paz e compaixão.
Prantear cada vida perdida neste mundo,
Por mais vis que pareçam  muitas delas,
Mais insignificantes pareçam certos seres.
Suplicar pela vida do ser mais modesto, pequenino.

Mas de que vale gritar a ouvidos moucos?
O que se pode contra mentes pétreas
Embotadas por antepassados trevosos e cruéis?

Como tolher a vocação despótica dos homens,
Sua frieza, sordidez, iniquidade natural?
Seria como tentar amoldar pedras tão-somente com as mãos,
Como querer conter incêndios com sopros impotentes.


A humanidade me desola profundamente.


II


Não, de nada adiantará ficares remoendo
A tua revolta pela ganância, prostituição e sordidez das pessoas:
Nenhum deus ou grupo de deuses ou o que quer que se imagine
Virá para julgar-lhes e impor-lhes castigo
Ou mesmo exigir-lhes qualquer tipo de reparação.

Esquece-as, não as ame, mas não as odeie,
Porque odiá-las irá apenas destruir as tuas vísceras
E tornar pobre e miserável a tua saúde.

Não te revoltes, apenas ignora-as e dá o teu amor
Aos poucos que tu achares merecedores,
E a maldade humana assim bem menos te atingirá.

2011

MEU LUGAR

Meu país é algum lugar
Onde vente brisa fresca,
Onde more a natureza,
Onde o pio da coruja
Seja belo de se ouvir.


Minha cidade é uma casa
Onde florem pés de frutas,
Onde trinem passarinhos,
Onde o tempo seja lento
E pareça não passar.

Minha casa é algum momento
Em que brotem pensamentos,
D’onde jorrem sentimentos
Mais intensos e diversos,
Onde o mundo fique longe,
Mas tão longe de eu não ver.

2011

SERÁ MESMO?

Será mesmo teu cabelo tão dourado?
Será mesmo tua pele tão morena?
Serão mesmo os teus olhos suplicantes?
Será mesmo o teu anel de diamante?

Será mesmo que não dormes se não chego?
Será mesmo teu sorriso sem maldade?
Será mesmo o teu fogo tão aceso?
Serão mesmo os teus braços aconchego?

Serão mesmo os teus brios como pedra?
Será mesmo o teu ar apaixonado?
Será mesmo tua tarde poesia?
Será mesmo teu discurso verdadeiro?
Será mesmo que a mim amas de verdade?
Será mesmo que és a vida entre mil danças?
Será mesmo que és enfim felicidade?


2011

NÃO MAIS TE AMO

Não, não mais te amo
E jamais eu te amei.
Amei, sim, alguém que forjaste,
Alguém que inventaste
E que me cativou.

E me esqueça as lisonjas:
Retiro as palavras
Ditas em falso:
Não foste jamais,
Também te inventava,
Também te fraudei.

Se um dia nos virmos,
Acena somente
Ou fala bem breve,
Ou vira teu rosto:
A mim não importa.


Mas como encontrar-te,
Se tu não existes,
Jamais exististe
Só foste uma fraude
E não me deixaste
Na alma lembrança,
Fragmento de ti?

2011

A DESAMADA

Meu rapaz é tão menino,
E eu passei da flor da idade;
Me rendi aos seus encantos,
Ele, ao saldo no meu banco.

Sou às vezes tão materna,
Ele, tão, mas tão meu filho,
Que me pede um dinheirão.

Eu lhe faço juras líricas,
Ele fala em casamento,
Em seguro, garantias,
Com seus pés firmes no chão.

Eu lhe conto histórias lindas,
Ele conta os meus ativos.
Eu planejo mil viagens,
Ele, mil investimentos.

Eu me pego tão criança
Em sonhar coisas românticas,
Eu o encontro tão adulto,
A falar em patrimônio.

Eu me nutro dos seus beijos,
Sou faminta do seu corpo,
Ele come a minha renda,
Tão voraz como um leão.

Eu me afundo em minhas dívidas,
A querê-lo eternamente,
Ele fica em suas dúvidas
De devermos prosseguir.

2011

PLENO PECADO

Pecar ardentemente na desordem doce
De lençóis e travesseiros, deleitar-se
Dos odores excitantes de perfume,
De saliva, de epiderme e genitália...


Percorrer o corpo querido e agitado
Co’as mãos irrequietas, sem limite,
E a boca sequiosa e enlouquecida...


Fremir num êxtase, delírio ou algo
Que a língua humana nunca encontre
Palavra adequada pra expressar...


É viver os deleites mais inebriantes
Do universo e levitar num céu sem fim
De campos e águas frescas colossais...


Delirar de uma maneira milagrosa,
Encantada, transcendente e tão sem nome,
Que é como tornar-se um ser tão diferente:
Anjo, deus, titã, também alguma coisa
Que a mente dos homens não consiga precisar.


2011

A MULHER DO GOMES

A mulher do Gomes é uma simpatia:
Quando vê passando um rapaz vistoso,
Logo morde os lábios, se enche de alegria,
Lhe sorri de um modo muito afetuoso.

A mulher do Gomes é de grande apreço:
Os rapazes dizem que é tão sociável,
Que conhece algum, pega o endereço
E o visita e aperta – que mulher amável!

A mulher do Gomes é tão distraída,
Que, ao sair com este, perde-se na rua,
Quando se dá conta, desperta exaurida
Num quarto de estranho, de ressaca e nua.

A mulher do Gomes é tão bem-querida
É por todos homens sempre elogiada,
E o marido a olha sempre enternecido,
E agradece aos anjos ter aquela fada.

                  II

(A DEFESA DA MULHER DO GOMES)


Mas com que motivo essa gente infame
Vive insinuando que sou leviana,
Se em meu altruísmo, só há quem me ame,
Se sou caridosa, de amizade insana?

Só porque o carteiro, um rapaz garboso,
Se queixou do sol terrivelmente quente,
E eu, de um modo materno e afetuoso,
Me banhei com ele muito humildemente.

Só porque um rapaz, muito gentilmente,
Num final de tarde, num metrô lotado,
Para proteger-me, pôs-me à sua frente
E muito gememos, ternos e agarrados.

Só porque o vizinho é muito educado
E me diz no ouvido verso arrepiante
Enquanto me abraça bastante apertado,
Ficam os canalhas nos dizendo amantes.

Só porque meu primo, homem de coragem,
Me conta seus feitos e brigas e glórias,
Eu eu lhe beijo o púbis de três tatuagens
Já ficam dizendo que temos história.

Não sabe essa escória de língua ferina
Que eu sou tão carinho, tão afeto e paz,
Que vejo os humanos súplices, meninos,
Que a bondade minha é grande demais.

2011

MARCO E JÚLIA (OU O VENTO DO TEMPO)

Marco Léo era paixão repleta de alegria:
Vivia uma euforia tão prenhe de luxúria,
Como se a razão da vida fosse Márcia Júlia
E suas ousadas transparências.

Vivia uma avidez tão tórrida e vibrante,
Como se sob a saia daquela deusa erótica
Fosse o próprio paraíso,
Os sublimes jardins do Éden.

Era um louco afã, entrega, só delírio,
Como se entre as pernas de sua Márcia Júlia
Fosse tudo simplesmente.

Quando os olhos dele pousavam nos da moça,
Se sentia assim como um filhote sem defesa,
Incapaz de sobrevida sem o peito, o colo
E aconchego maternal.

Mas um dia a moça viu que o mundo
Era imenso, era tão vário e cheio de surpresas,
Que ela precisava no mundo se atirar.
Ficou Marco sozinho, sem saber-lhe o paradeiro,
E, enlouquecido, murumurou por longos meses
O seu nome em noites brancas, tão insones...

Desolado, chorou como quem perde os braços,
Bebeu como o mais desgraçados dentre os homens,
Como se  tudo para ele houvera se acabado.

Mas veio o tempo trazendo então consigo
O seu vento veloz e de tudo tão pejado
E o poder de enterrar e mudar toda paisagem.
E aí Marco Léo foi pouco a pouco levantando
Do caos e dos cascalhos da apatia e tanta dor.
De repente viu-se alvorecendo novamente,
E o dia que nele raiou era de samba tão repleto,
Era cheio de brilho e de cores tão aceso,
Graças ao tempo, que tudo cura, tudo apaga, tudo muda,
Pode tanto com seu vento milagroso, sua força sem igual

2010
Revisto e modificado em 2017







domingo, 30 de janeiro de 2011

CACOS

É tão viva esta lembrança
Dos heróis de voz armados,
Professando um não sonoro
E brandindo o violão.

Nós sentávamos nos bares,
Encantados com seu canto,
Discutindo os rumos pátrios,
Encharcados de bebida
E a sonhar um tempo novo
De progresso e de justiça.

Nós falávamos de música,
De poetas, prosadores,
Dos heróis de tempos outros,
Das mulheres e do mundo,
De questões inquietantes,
E nos víamos nos rostos
Certas luzes de esperança.

Hoje eu sei que o novo tempo
Nunca vimos ou veremos.
Todos nós nos dispersamos,
E os rebeldes de hoje em dia
Não têm causa ou cabimento.
Mesmo os bares já não pensam,
E eu fiquei por longos anos
A tentar juntar debalde
Cacos ínfimos, dispersos
De um tempo irretomável.

2011

CRIAR POESIA

Lidar co'as palavras,
Brincar co'as palavras como quem monta quebra-cabeças.
Salpicar as palavras nos versos,
Colocar as palavras nas pontas dos dedos
E soprar as palavras pra fazê-las levitar ao vento.
Lapidar os versos como se fossem pedras preciosas,
Retocar os versos como se fossem pinturas,
Arrumar os versos co'a mais zelosa combinação de palavras.
Puxar as palavras de dentro do peito como que arrancando o dorido coração.
Deixar sair a suave palavra como se ela fluísse com a respiração.
Botar pra fora a odienta palavra como se fosse água fervente...

É assim que um poeta produz poesia,
É assim que se faz um poema daquilo
Que brinca na idéia ou que dentro do peito
Lhe fica a pulsar.

2011

ABRIGO

Se a noite encontrassse teus olhos
Molhados da tua dor,
Se a brisa da noite secasse  tuas lágrimas
Mas não findasse teu pranto,
E a casa te parecesse tão morta,
E a rua, pela janela entrevista,
Te parecesse pejada dos sons mais tristonhos...
De acordes de piano talvez...
Ou de sons de violino que cortassem teu peito
Bem fundo... como te ferindo de morte...

Eu iria à tua casa e, se deixasses,
Te protegeria no calor do meu abraço,
E te olharia fundamdente, e tu verias
Na transparência dos meus olhos minh'alma
Totalmente entregue a ti.
E então tu sentirias o clamor de minha carne,
E nossos corpos se veriam numa amálgama sublime.
A aí a madrugada, miraculosamente,
Pareceria sob o canto das aves matutinas,
E a vida nos seria tão clara, tão leve e tão música,
Qual praça repleta
De gente e de bares, jardins e de sol,
Que quereríamos ambos existir para sempre.

2011

A DANÇARINA

Se a poesia brotasse
De repente
Em plena Rio Branco,
Na forma de uma bailarina
Que dançasse lascivamente enquanto
Se despisse por inteiro,
Dando ao vento os sete véus,

Seria preciso
Desviar o trânsito e recolher
Ao xadrez os transeuntes,
Por serem torpes e perversos
E por isto
Atentarem ao pudor.

Seria preciso chamar os libertinos,
Os palhaços, os circenses,
Os irreverentes
E os cantores loucos
Pr'eles isolarem num cordão humano
A encantada moça,
Que assim poderia,
Pura, sublime,
Saltitar em paz.

2011

domingo, 16 de janeiro de 2011

MELANCOLIA

Nao dormiu a noite inteira
- Ruminava uma agonia -
E chorou inconsolável quando viu raiar o dia.

Foi botar o pé na rua
E saiu andando a esmo.
Morreu de tristeza quando ouviu bela canção.

Desejou sumir no mundo
Ou morrer bem de mansinho.
Solidão foi-lhe doendo mesmo em meio à multidão.

Foi seguindo pelos dias
Sem nutrir uma ilusão,
Pois sabia que seus dias eram sempre tão iguais.

2011

INDIGNAÇÃO

Quero almoçar com os porcos,
Quero jantar com os cachorros,
Quero lanchar com os pombos,
Quero cear com os gatos,
Quero falar com os papagaios,
Quero dormir com os morcegos.
Mas não há irreverência
Que me aplaque a indignação.

2011

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

A EXTINÇÃO DA HIPOCRISIA

Fica extinta neste momento a hipocrisia,
E os casamentos quase todos se dissolverão,
E os futuros casórios de interesses não se consumarão,
E muitas pessoas se deixarão de apertar as mãos.
As reverências dos subordinados desparecerão,
Os bajuladores não mais conseguirão bajular,
Os políticos não mais conseguirão se eleger.
É extinta a hipocrisia, e o que antes era sorriso,
Agora se torna muxoxo,
Agora se torna insolência,
Escárnio, ultraje, desprezo,
E as pessoas, então, despidas de suas máscaras,
Ficarão horripilantes de se olhar.

2011

A ESCÓRIA

Quero longe de mim essa gente,
Essa gente aética e sórdida,
Essa gente que bajula e se vende
Por favores enormes ou ínfimos.
Essa gente que se dá por vantagens,
Que corrompe, se faz corromper.
Quero essa gente ausente, distante,
Em moradas de escarros e estercos.
Quero estar tão distante da escória,
Que essa escória sequer se dê conta
De minha existência no mundo.

2011

SEM SOLUÇÃO

E a fastidiosa presença dos tediosos
E cruéis humanos em cada trecho de rua?
E a insuportável monotonia dos dias
Que cansam os olhos de sua farta mesmice?
Estaria a solução na chegada da morte?

Mas e se acaso houver regiões umbralinas
E seres humanos então sem carne,
Mas demoníacos, a nos martirizar?
E se houver patamares astrais e preceitos
E gente etérea enfadonhos a obedecer?
A morte assim seria inócua:
O que se sabe cansaço da vida
Cansaço da morte se tornaria.

2011