domingo, 29 de maio de 2022

NÃO VENHA


Não, não venha, não chegue, não me surja,

Não me cante no peito qual viola ao arrebol,

Não se achegue com o samba, a rumba e a viveza,

A alegria luminosa que se estampa nos seus olhos:

Vou ficar calado e quieto em meu inverno, 

Meu incessante e perene odor de outono:

Eu não saberia, não, viver a sua primavera,

Muito menos tentaria cantar o seu verão.

sexta-feira, 27 de maio de 2022

VIVER PAIXÃO


 Sorver da lira do teu olhar adocicado,

Abrir a janela para um céu de pura poesia,

Mostrar estrelas onde sequer elas existam,

Deixar no peito cantar o sentimento mais suave e mais bonito.



Viver o enlevo dos rostos em resvalos

E das línguas agitadas numa sede enlouquecida,

Deixar entrar na alma uma música inaudita

Da lindeza dos momentos mais sagrados da paixão.



Tornar-me brisa, sol, braseiro, mansidão,

Nós dois, puros, maviosos, fogueados, sonhadores:

Ah, o encantamento a nos emanar de cada poro,

O amor, qual aura imensurável, luzindo em fachos vários,

Inumeráveis fachos da claridade das emoções

VERSOS DE ESCURIDÃO

Hoje não há tarde e gente alegre nas calçadas,

Mas somente o último bêbado à última mesa

Do último bar da rua derradeira

E uma atmosfera de fim de tudo e despedida.



Hoje os pássaros se aquietaram nos seus ninhos,

E um vento fino resvala nos galhos dos arbustos, 

E um silêncio arrepiante se abateu sobre as paisagens,

E a noite veio, calada, muda, imóvel como fora sepulcral 



Hoje os sinos não repicaram nas igrejas,

Nem tampouco houve canto gregoriano ou ladainha;

Não havia fiéis em suplicantes orações,

E as praças eram desertas como vida não houvera.

Hoje é tudo adeus, final, deserto, silêncio e escuridão.

sexta-feira, 6 de maio de 2022

SE A POESIA VIER

Se um poema vier no vento 

E se traduzir na noite clara e estrelada

E nas luzes de artifício das praças e das ruas,

Que cantigas luminosas encherão teu peito ávido,

Que esperanças te virão à alma sempre atenta

A cada uma das nuances dos dias e da estrada em que caminhas?


Se a canção vier na noite,

Na penumbra, no silêncio

E entrar pela janela como o sonho mais bonito de se ter?


Se a lira alegre passear pelas calçadas,

Pelos bares, pelos becos e fachadas

E adentrar a tua sala e o teu quarto tão quieto,

Percorrer a casa inteira como a brisa em voo leve,

Que emoções retumbarão como atabaque e tamborins

Dentro do teu tão irrequieto coração?


PECADO CELESTIAL

O vinho, a música,

Corpos desnudos,

Noite, o luar.

Amai, ó Deus, os filhos vossos

Que se dão numa volúpia sem igual!


Os seios, nádegas,

O falo, a vulva,

Esse impudor.

Louvai, ó Deus, os vossos seres

Que se entregam num furor descomunal!


Os cheiros lúbricos

Por todo o quarto,

Juras febris.

Ó Deus, afaga os pecadores

A devorar-se num ardor transcendental!


São dois amantes

Tão fogueados,

Tão infiéis.

Notai, ó Deus, a poesia incandescente

Desse amor tão magnífico e carnal!


As línguas ávidas,

Cabelos longos

No travesseiro.

Louvai, ó Deus, toda luxúria

E abençoai esse pecado tão celestial!


terça-feira, 3 de maio de 2022

POEMA A CÁSSIA ELLER

 O que dizer de ti e de tua arte [tão plena e grandiosa, 

Da tua catarse sobre os palcos [que pisavas?

Cantavas com a gana insana de [animal enfurecido

De leão ferido, acuado, mas a [lutar, determinado,

E soltavas na voz as aflições, as [dores e as revoltas

Em urros melodiosos que [embriagavam as multidões.


Nem só de gritos musicais se fez [teu canto:

Tantas vezes foste doce, menina, [branda, apaixonada

A destilar uma suavidade só [encontrada nas heroínas [romanescas: 

Vertias o amor puro e palpitante, [tão imenso em tua alma.


Tão bela num estereótipo que [buscava o masculino, 

Mas que deixava transparecer a [poesia só flagrante nas mulheres.

Que inspiração divina te fez tão [cheia d'alma e tão diversa

Como se Deus te houvera feito de [tudo quanto existe no universo.


Ficam na gente saudades do teu [canto sublime e irreverente

E das loucuras com que marcaste [cada palco que pisaste.

Deus, se existira, te diria numa [ternura paternal e acolhedora:

"Vem, fica comigo, menina doce, [irreverente e tão intensa:

Tua presença faz o Céu mais [bonito, colorido e mais feliz.