terça-feira, 20 de outubro de 2020

MULHER SERENA

 Mulher serena, dá  teu colo de paz pr'eu deitar minha cabeça

E mente que a maldade não impera, não , no mundo.

Vem, me abriga e clareia minha  noite

Das estrelas da tua presença simplesmente.



Vem, me acarinha, leve como brisa matutina,

Traze um tempo feliz pra todo o sempre,

Dá-me a calma sublime do céu que mora em ti.



MOÇA DOS CACHOS DOURADOS

 A moça dos cachos dourados,

Que a brisa acarinha de leve, 

De pé, na beira da praia,

Ouvindo a cantiga do mar,



Tem uma luz no sorriso,

Tem um encanto nos olhos:

Seu rosto bonito é um poema,

Seu corpo me fica a atiçar.



A moça, o morro e as águas,

O fim da tarde serena,

Tudo é uma lira praiana,

Tudo tem gosto de amar.


sábado, 15 de agosto de 2020

ROSANE

Rosane acordava cedinho,

De café, pão, queijo , manteiga

Às vezes se regalava.

Rosane acordava cedinho,

Às vezes não tinha nada.



Rosane, a mãe, duas filhas,

Três anos e cinco de idade,

Viviam numa casa pequena, 

No meio de uma favela.

Agarrava alguns dias as filhas,

Ouvia o estampido dos tiros

Quase a vazar as janelas.



Rosane descia o morro,

Se dava a fazer seus biscates:

Lavava, passava e limpava,

Subia levando sacolas

Com carne, cereais, goiabada.



Finais de semana bebia,

Brincava, sorria e dançava,

Gostava de um homem, se dava.

Quando raiava o dia,

Subia o morro, apressada.



Domingo ela ia à igreja,

Orava ardentemente, cantava,

Nem sabia por que é que orava,

Nem sabia por que cantava.



Rosane brincava na noite,

Nem sabia por que brincava.

Rosane sorria na noite,

Nem sabia por que sorria.

Rosane dançava na noite,

Nem sabia por que dançava.


CLAMORES NA ESCURIDÃO

Dança, tarde,

Como se amanhecera o tempo inteiro.

Canta, aurora,

Através do coral de passarinhos.

Samba, dia,

Como estiveras na quadra sob música,

Como se foras dançarinas de espetáculos.

Doura, sol,

Os chãos, as casas, as praças e os caminhos;

Faze acender o dia novamente,

Traze os gorjeios que eu ouvia antigamente

E que inundava de lindeza a viveza das manhãs.


VERSOS DE MEDO E TRISTEZA

Rostos tristes

E assustados ante a noite opaca e sem lua.

Tudo é breu,

É pavor, é morte, desespero, só tristeza.

Foi-se embora do planeta a aurora

Passarinhos cantam cantos inauditos,

Tentando despertar a vida inutilmente.

Agora é noite,

É profunda noite negra que não finda,

Inclemente inferno que se abate sobre os homens,

Enquanto os céus se fazem surdos às orações.

Solidão

Imperando nas ruas, cidades e bairros,

E um olhar desconsolado n'algum beco.

A doença cuspiu na poesia

E a fez feia, prostrada e moribunda,

Noite triste

E assombrosa a assustar os corações.

Não, nunca amanhece,

Não  mais há  manhãs nem tardes, mas somente

Algum crepúsculo e as madrugadas de silêncio sepulcral.

domingo, 12 de julho de 2020

O MASSACRE DOS ORIXÁS

--Conta a mim, Pai Oxalá,
Que foi feito de Xangô, 
Baluarte da justiça,
Seu machado e seus trovões.
--Que podia, dize, ó, filho,
Contra os torpes seguidores
dos demônios poderosos
Travestidos de profetas?

"Iansã também morreu, 
Consumida por seu fogo
E por obra de oradores
Que só pregam preconceitos."

--E de Oxóssi o que me dizes?
Que tem feito pelas matas
Nestes tempos tão malditos
De matar floresta e bichos?
--Afogado nos garimpos,
Por mercúrio envenenado,
Por grileiro, incinerado,
Moto-serra o retalhou.

"Iemanjá foi atolada
Em tapetes de óleo preto,
Ante o riso de homens sórdidos
que desprezam natureza."

"Pobre Oxum, foi ofendida,
Espancada por racistas,
Foi chamada de 'devassa',
Foi expulsa do País."

"Foi Exu também recluso,
Nomeado 'meliante',
Encerrado a sete chaves:
Não há mais um mensageiro."

"Omolu não fez mais curas,
Foi chamado 'charlatão'
Por pastores de mentira,
Milionários crimonosos."

"Ossaim se viu proibida
De curar com suas ervas
Usurpadas pelos brancos
Que detêm laboratórios."

"Espancado Oxumaré
Por ser macho e por ser fêmea.
As milícias 'moralistas'
O proíbem de dançar."

"E Nanã, capturada
Lá do fundo dos seus rios,
Foi trancada como louca
Torturada a eletrochoques."

"Ai, agora um negro odeia
Os irmãos da mesma raça.
Vejo os índios sendo mortos,
Declarados inimigos,
Quilombolas humilhados,
Declarados parasitas."


"Deus agora é o deus dos brancos
Arrogantes e cruéis.
Nunca vi tanto racismo
Numa gente tão mestiça:
Vou fugir lá pra Nigéria,
Vou pra Togo ou pra Benin,
Mas não fico nestas terras:
Negro aqui não pode, não."
 

domingo, 28 de junho de 2020

sexta-feira, 5 de junho de 2020

SE EU SOUBESSE


Há coisas que em nossa vida
só trazem dor e tristeza:
soubesse, passava ao largo,
bem longe dos teus encantos.

Devia não ter provado
da água que tu me deste,
do almoço que preparaste,
do vinho que me serviste,
dos versos que me fizeste.

Devia não ter gozado
dos beijos que me beijaste,
do corpo que tu me abriste,
dos olhos com que me olhaste,
delírios que me causaste. 

Hoje, sozinho me vejo
mendigo de algum afeto,
saudoso de nossos dias,
frangalho do que era ontem,
um morto vagando em vida.

quinta-feira, 4 de junho de 2020

AMOR, VOLÚPIA

Deixa eu te abraçar avidamente,
 Como se fosses
 Frágil menina.
 Deixa eu te morder os lábios quentes
 Num'ânsia quase
De um'agonia.


Deixa-me beijar então teu ventre
Qual venerasse
A pele fina.


Usa-me, que eu quero ser brinquedo
 Dos teus regalos
 E teus caprichos.


Quero te desfrutar inteiramente,
 Qual foras néctar,
Licor ou vinho.

Vou no gozo chegar à Via-Láctea
 E te encontrar
 N'alguma estrela,
 Num asteroide
Ou paraíso.


 2015

quarta-feira, 3 de junho de 2020

NÃO CONTE NADA

Não conte, não, dos espinhos lá de fora,
Se eu apenas quero lhe sentir o rosto quente
Repousando no meu peito, que te acolhe,
E os lábios que se amassam, ávidos, nos meus.

Não conte, não, qualquer vivência adquirida,
Que eu quero agora é esquecer sua partida
E a prostração que sua ausência trouxe a mim.

Faça de conta que o ontem nunca houve,
Que este momento é tudo, tudo quanto existe
E que nunca, nunca mais vai terminar.

Não conte, não, dos seus amores fracassados,
Não fale nada de aventuras mal vividas,
Não diga nada, não, sobre os seus dias,
Pra que eu não abra a porta e aponte a rua
E diga: "A volta dói bem mais do que a partida".

CANTA E DANÇA

A tua tristeza é tão grande,
que o dia de sol radiante
parece a treus olhos sombrio.
Conta, menina, onde nasce
o triste que tem neSse olhar.
Canta, menina, em solfejos,
alguma canção de chorar.
e, assim, em teu pranto de moça
abranda essa dor do teu peito
e sai pela rua a dançar.

VOCÊ, PRIMAVERA

Não fique, venha: como quero que me venha!
Tenho um paraíso em seus afagos,
Na sua voz, um cantar de renascença,
Na presença, um viver em plena chama,
No seu corpo, um delírio de queimar
E na ausência, um desejo de calar.

Venha à tarde como brisa vespertina,
Venha à noite como um céu de poesia
E se vista em transparências azuladas,
E se abrace ao meu corpo desejoso,
E não pense, não fale, apenas dance
E arda assim como se fora um sol candente.

Venha\comigo olhar a vida da janela
E dizer que a primavera se anuncia no horizonte
E, inda mais, já chegou e se eterniza
Com as flores coloridas, suas cores abundantes,
Sua vida em festa acesa, alegria que retumba,
Muito embora eu saiba, a primavera, ela é você.

quarta-feira, 20 de maio de 2020

ALUMBRAMENTO

Que feitiço tem teus olhos,
que eu me rendo e me dissolvo
no ato simples de te olhar?

Que cantiga tem teu riso,
que me alumbra simplesmente
e me induz a viajar?

Conta a mim que primaveras
que tu enxergas em paragens
muito além dos horizontes?

Fala a mim dessa alegria
que reluz em teu semblante
e se espalha pelo ar.

Que magia tem teu corpo,
que me aprazo dos teus cheiros,
que enlouqueço ao te tocar?

Os teus fluidos são licores, 
sou cativo dos teus braços,
me embriago em teu calor.

O poema que te faço
é suave como fêmea,
é mulher como tu és.

É tão macho como o bruto
que te aperta com pujança
e te adentra com furor.

Os meus versos te transformam
numa parte de mim mesmo
e a nós dois  numa canção.



sábado, 28 de março de 2020

PÁSSARO FERIDO

Sou pássaro solto das asas feridas,
viajante sem norte, que vaga, que caminha a esmo
na noite deserta, sem sons e sem prata.
Às vezes poema ao ouvido da amada,
o sangue fervente nas veias pulsantes,
pequeno festejo em areias praianas,
mas grito abafado cortando as entranhas,
o fosco das tardes nubladas, quietas,
a estátua postada no banco da praça,
à espera do nada, do nada, não mais.




Diga que aguarda sequiosa a chegada minha à sua casa,
E eu lhe farei os poemas mais emocionados e bonitos que consiga porventura:
Escreverei os versos que denotem o mais infinito e absoluto enlevamento.
Traduzirei com perfeição os sentimentos que em meu peito batem como um turbilhão
E me farei o seu poeta, devotado e tão zeloso como o trovador  a dar o próprio sangue pala [amada:
Serei o exaltado cantador, o arauto a anunciar aos quatro cantos a paixão que me arrebata.
Serei leve e delicado, sutil qual sons de flauta ou plácido regato cristalino
Nos afagos e palavras que reservo para a hora extasiante de encontrá-la.

2013

VERSOS À TUA NUDEZ

Tua nudez é coisa linda
como a fauna e como a flora,
como campos coloridos,
como orgasmo, amor, paixão.

Tua nudez enfeitiçante
inquieta meus instintos,
me incandesce, me fogueia...
Ah, que nádegas perfeitas!
São poema de volúpia,
tão viçosas, juvenis!

Ah, desejo de tocar-te,
te lamber o corpo inteiro,
te adentrar as cavidades
com meu falo teso e quente!

Fazer ode às tuas formas,
ao teu rosto, à tua pele,
aos teus lábios e olhos vivos,
num poema de luxúria,
fogo em forma de canção.

ÓDIO DO AMOR

Toda noite eu tento escrever estrofes belas.
E me enveneno do sentimento mau por ti
Numa tentativa tão vã de de sufocar minha paixão.
Toda noite eu durmo na esperança de não despertar.

Toda manhã me desejo recluir e ficar do mundo bem distante
E fazer do meu quarto um mundo meu, impenetrável .
Toda tarde eu quero nada além que o tempo voe
E tu me sumas da memória qual neblina fugidia.

Ah, bem sei que  no futuro não serás mais que a memória
Vaga e simples de uma coisa chã, pequena, inexpressiva
Que me fará sentir tão tolo pela dor que hoje me mata.

2013

A MORENA QUE PASSA

Quando a morena caminha na rua de terra,
cabelos pretinhos aos ombros marrons,
dá uma vontade tão grande d'agente cantar.

Quando o decote da bela desponta ao crepúsculo
de ceú vermelhinho, cigarra a cantar,
dá uma vontade danada d'a gente pecar.

Quando ela baixa a cabeça, olhando pro chão,
parece tão triste, tão frágil, suave
d'a gente a querer proteger e guardar.

Quando essa moça se afasta, se perde no longe,
deixa no peito da gente uma certa saudade,
como viesse e dissesse: "só volto amanhã."

quinta-feira, 26 de março de 2020

A SEDUTORA


Essa bela é sedutora,
tem os olhos de langor,
mas por quantos seus olhares
se derretem de desejo?

Essa bela tem a voz
delicada de uma musa,
mas por quantos cantarola
mil cantigas de paixão?

Essa bela tem os passos
leves, brandos de gazela,
mas com quantos ela dança
os seus ritmos febris?

Seu semblante é tão angélico,
me consome em comoção, 
mas por quantos ela reza
suplicantes orações?

Essa moça  faz poemas
de um lirismo sem igual,
mas pra quantos ela escreve
seus mais lindos madrigais?

NÃO POR ELA

Que te encharques de aguardente
e desmaies nas bodegas, 
mas não seja então por ela,
a quem músicos mambembes
negam mesmo duas notas.

Que pranteies cachoeiras
e te afogues em teus prantos,
mas não seja então por ela,
que sequer merece gota
de suor ou de coriza.

Que te atires de uma torre,
te espatifes na calçada,
mas não seja então por ela,
por quem nem os indigentes 
se dariam mordiscadas.

Que te sintas desgraçado,
que te arrastes pela vida,
mas não seja então por ela,
tão sem viço e tão pequena,
parecendo inexistente.

MINHA AGONIA

Minha agonia é porque meu peito não se cala
E quer-se expandir pela vastidão do espaço sideral,
Mas não acha senão uma  vida enfadonha e pequenina,
Mergulhada na esterilidade do dia-a-dia tedioso.

Meu coração é irrequieto como um viajante aventureiro
E se encontra encarcerado na monotonia do cotidiano.
Ah(!), angústia, por que não cortei os próprios pulsos,
Não me atirei da janela, num ato dramático e extremo,
Para  aquietar para sempre esta alma sedenta demais?
Mas, Deus, e se houver uma outra vida além desta do corpo
E o espírito provar sofrimentos demasiadamente lancinantes?

Minha agonia é porque minhas emoções são intensas como tufões e temporais,
Porque minha alma arde como o meu corpo, que ama amar.
Minha agonia é porque os meus sentimentos desmedidos não cabem 
       [ neste mundo tão prático, astuto, sem lira e diverso de mim.


SERÁ?


Lá vem ela, viçosa, bonita.
Desponta, sorrindo, na esquina.
Trará para mim a eperança?
Trará pra amanhã mil tormentos?
Será um turbilhão de alegrias?
Fará que eu lamente nos dias?
Será uma leal dedicada?
Será indiferente, infiel?
Será um paraíso romântico?
Será como o Inferno penoso?
Trará mil canções que arrebatam?
Trará mil queixumes e tédios?
virá me salvar da agonia?
Fará que eu deseje morrer?

QUERER IMENSO

Do teu corpo percorrer cada milímetro,
Atritar a minha pele em tua pele
E beijar-te como fosse o momento eternizar
E entrar em tua alma nesse ato.

Comungar com teus desejos meus desejos,
Viajar por entre os astros no teu corpo,
Nos fazermos um só corpo, uma só alma,
Na magia da volúpia sem tamanho.

Eu te quero como a brisa em primavera,
Como ao sol que aquece as tardes nos invernos.
Tu te tornas minha assim como meus órgãos
E eu te amo como à vida que retumba no meu peito.

O POETA VAGABUNDO II (OU O POETA ENVELHECIDO)

Quem é o poeta que chega
qual vindo de algum devaneio,
saindo de um quarto de vila
com seu violão sob o braço?

Às plenas três horas da tarde,
a grave voz de ressaca,
dedilha uma música antiga
que é de fazer viajar.

Chegando a noite, o opoeta,
a língua pesada de bêbado,
relata as histórias e amores
vividos em tempos de lira.

Alguns ouvintes se encantam,
uns outro se enchem de enfado,
mas cria-se um clima na noite
pejado de poesia.

Poeta de brancos cabelos,
de rosto cortado do tempo,
tão jovem porém nos anseios,
intenso em seu doce falar.

Às altas da noite o bar fecha:
os homens urinam nos becos,
e o triste poeta, já trôpego,
caminha pra ir descansar.

Um dia um coma profundo
ou uma cirrose ou infarto
fará que o poeta soturno
não saia do quarto de vez.

2013




ESCRAVO DO TÉDIO

Preciso da calma da noite
pra me ocupar dos enlevos que venham
e que encham minh'alma de lira,
antes que o dia amanheça
que os feios  ruídos dos carros
me tragam um humor dos infernos.


Preciso me ater ao que toca
meu peito tão pobre de chama,
antes que acorde a cidade,
que o meu desprezo aos humanos
conduza à perversa vontade
de incendiar ponta a ponta o planeta.


Preciso fechar os meus olhos,
cultivar o que é doce pureza,
antes que eu lembre da vida
e que o verbo rascante que tenho
salpique as ruas cinzentas
da desesperança incontida.


Destilar a ternura infinita
no afago amoroso e paterno
no dorso da minha cadela,
antes que os ódios que sinto
despertem qual fossem tsunâmis
e tragam-me ao peito um infarto.


Preciso de tempo e motivos
pr'amar como fora um simplório,
contemplar como fora um poeta,
pra não mais nutrir o desejo
de me isolar bem longe, em Saturno
e de lá nunca mais retornar.




DESOLAÇÃO

Sem alento e sem espera,
sem a vista do horizonte, 
não há tardes coloridas,
não há norte ou ilusão.

Vem dizer, desperança,
se os meus olhos tão cansados
não terão jamais o brilho
das felizes emoções.

Ah, me dize,  desalento,
se é doer assim pra sempre
ou se o tempo, ele somente
me trará consolação.

Ah, canção tão desolada,
que arrebenta meu silêncio,
vai dizer que é madrugada
que não finda no meu ser.

PRECE LÍRICA

Que seja a aurora
um renascer que alumbre os nossos olhos,
que seja alento
a música que à alma vem tocar,
extasiante
o affair entre lençóis e travesseiros.
Que seja leve
a lágrima a brotar da despedida,
que seja breve
o pranto que é nascido do abandono,
que seja nunca
o tempo de dedar nossas feridas.
Que seja afeto
o verbo da mulher que não se ilude.

Que seja bela
a hora de dançar a debutante,
seja sublime
o encontro entre o dono e o seu cachorro;
que seja eterno
o amor do abraço entre os irmãos.

Que seja a tarde
alegre de fazer que nós cantemos,
que seja a noite
a voz doce, macia de um arcanjo;
que seja o amor
imenso de a nós santificar.

2016


AMOR PERDIDO

Cada vez em que a encontrei,
nas noitinhas mais bonitas,
não notei que ela cantava,
dentro d'alma, de alegria.

Cada vez em que a apertei

nos meus braços, entre juras,
reparei como se dava,
mas não vi que era tão minha.

Quando quis cair no mundo

e me dei à despedida,
não notei que ela chorava,
não olhei quanto sofria.

Todo o tempo em que eu a tive

ao meu lado, nos meus dias,
eu nem vi que ela me amava,
que era pura poesia.

Quando o mundo me abateu,

e eu busquei o seu abrigo,
percebi  que nos seus olhos
já não tinha  melodia.
Entendi que o tempo andara,
me dei conta que a perdera,
que não mais eu a teria.

2013


CONSTANTE PRIMAVERA

Por você farei uma canção bonita,
Lamberei cada palavra que me diga
Qual sorvesse o vinho embriagante
Que consome a calma e o meu juízo.

Viverei sempre as manhãs como festivas,
Toda tarde será como folia,
Toda noitre, uma entrega à poesia,
Madrugadas, puro êxtase dos dias.

Deixarei o seu rosto na memória,
Permanente como fosse uma pintura,
Seu sorriso me será qual fosse a vista
Dos cenários mais sagrados do universo.

Viverei na leveza assim de um passarinho
E o abrigo encontrarei nesses seus braços,
Tão feliz qual se tristeza nunca houvera,
Qual vivesse o ano inteiro a primavera.

DE QUE VALE...?

De que vale a emoção destes meus olhos,
Tanto enlevo estampado no meu rosto,
As palavras fagueiras e tão ternas,
O querê-la flagrante nos meus atos...?

De que vale a quentura dos meus gestos
E a tamanha alegria só por vê-la...?
De que vale o me-dar no meu  semblante
E o desejo tão claro assim  de tê-la...?

Se encontro os seus olhos tão gelados,
Se não noto um sentir na sua fala,
Se não sou mais que alguém que ela conhece,
Sem nenhum, sem qualquer alumbramento?


2013

LUCIANA

Hoje terei Luciana:
não importa com quantos homens
se deite a cada semana.
Mas hoje será só minha,
como se então nos quiséssemos
como nada se quer no mundo.

Mas hoje terei Luciana.
não ligo se no outro dia
se deite co'alguém que não eu.
Pois hoje eu quero encará-la
qual fosse à maior das dádivas:
ai (!), como eu desejo essa moça(!),
que me causa frissons, arrepios!

Terei Luciana no leito,
lamberei o seu corpo de todo:
as pernas magras e pálidas,
roliças e tão desejadas,
que exibe em seus minivestidos
de tão generosos decotes.

Sentirei seus aromas de fêmea
e todos os seus paladares:
da nuca de potra no cio,
da boca, dos lábios, saliva,
dos seios, narinas, ouvidos,
de toda cavidade que tem.

Não ligo se um outro sujeito
se esmere em cheirá-la amanhã,
mas hoje a mulher é só minha,
princesa encantada dos sonhos
por uma noite somente.

Mas hoje eu a quero demais
e a amo bem mais do que a mim,
porque matará minha sede
de entrar no seu corpo esguio
olhando seus olhos lânguidos
e sua expressão de luxúria.

Eu quero lhe ouvir os gemidos,
amá-la de todos os jeitos,
beijá-la por longos momentos,
pois hoje arderei qual menino
em sua primeira entre as noites,
esquecendo o mundo ao redor,
resumindo o mundo a nós dois.

ALMA SOMBRIA

Como abrir as janelas para o mundo,
Se o mundo lá fora se ausentou?
Como abrir as portas para o vento,
Se o vento partiu pro fim do mundo?
Como sair e ver   o sol e suas luzes,
Se tudo lá fora é escuridão?
Como atirar-me na vida e sua dança
Se não há dança, nem tampouco existe vida,
E tudo é  inerte, calado,  tão imóvel,
E o que palpita é nada mais do que a tristeza,
Tão sombria, tão lerda e tão silente
De não permitir à alma mesmo que deseje
A morte, se já d'alma a morte se apossou?

PEITO, CALA

Peito, cala,
silencia como um morto,
pois senão uma tristeza torturante
te virá cortar tão cruelmente,
te fará uma sangria interminável
de não ficar em ti sinal vital.

Peito, cala,
mas tão completa, tão inteira  e totalmente,
que as emoções não percebam que tu existes.

Cala, peito,
mas cala assim profundamente
como as frias madrugadas nos recantos
mais distantes das cidades e das gentes.

Cala, peito,
cala numa quietude de sepulcro,
se não queres sentir a dor mais funda,
se não queres nutrir amor à morte,
se desejas pra ti um lugar na paz.

2013

NÃO SOFRAS POR ELA

Não, amigo, não sofras mais por ela,
Não permitas à alma que se apague
Nem desejes a morte como aos céus.
Não, amigo, não lhe sofras a ausência agora mais,
Porque muito possivelmente, meu amigo,
Enquanto choras, ela geme em mil prazeres,
Tendo agora um vil sujeito nas entranhas
Do corpo que pensavas que era teu.

Não destruas a ti, meu caro amigo,
Se ela vive a construir dias de festa,
Relações iniciadas em bodegas,
Entre vinhos, cachaças e vermutes;
Se esqueceu-se até de que tu existes,
Se te tem um desprezo que é tamanho,
Se o sofrer do teu peito é coisa vã.

2013

VIDA DIVERSA

Eu preciso enlouquecer de apaixonado.
Eu preciso me entregar visceralmente
A uma paixão, mesmo que seja descabida.

Eu preciso viajar para  bem longe,
Percorrendo uma estrada muito longa
que termine nuns confins onde não haja
A vida insossa que vegeto por aqui.

Quero ruas de alegria permanente
E o direito de exercer minhas loucuras.
Quero gente livre, solta e verdadeira
Que me escute e que me conte do lirismo
Que há nas artes que embelezam nossas vidas.

Eu preciso acordar fazendo versos,
Viver dias  de mais plena poesia,
De lindezas que eu sequer consiga 
Em minha parca mente imaginar..

2013


NÃO ME FUJAS

Se eu te vir continuar a fugir-me como fazes,
te despirei com meus poemas, como um macho enlouquecido
a te rasgar as roupas íntimas e amarras do desejo.

Te beijarei num doce verbo de luxúria
como se fosse o enamorado mais romântico
a te fazer juras de amor sob o luar.

Decifrarei teus sentimentos em meus cantos,
como se olhasse nos teus olhos e enxergasse
A tua alma tão despida para mim,

Te deixarei corada ao perceber na tua fala
as tuas mais ocultas  e quentes sensações

E então farei que me confesses toda a confusão
e todo sentimento que te toca o peito frágil,
tão carente dos afetos enlevantes, inefáveis
de que todo ser vivente necessita qual dos órgãos mais vitais,

E induzirei a que tu fales como se cantasses
as palavras mais bonitas dos amores tão infindos,
tão imensos como arroubos que atravessam anos, vidas,
os milênios, os percalços, as idades, os astrais, as gerações.

2013


NÃO BUSCAREI MAGIAS

Não buscarei ouvir a voz de Deus nos ventos
Ou mensagens dos espíritos nos pensamentos repentinos,
Nem tampouco nos acasos sinais do metafísico.
Tocarei a vida com somente a energia dos meus braços
E os desígnios que venham de não mais que minha mente:
Não irei em busca dos auxílios abstratos
E dos anjos e dos mitos, e dos santos e dos deuses.
Lutarei com minhas mãos de carne e osso
E co'a ajuda que me acuda dos seres e das coisas
Captáveis tão somente por sentidos corriqueiros.

2013

A RUIVA

A mulher dos ruivos cabelos,
que adora espelhos no teto,
que exala jasmim, feromônios
e que ama com gana e com arte,
que faz tanto escravo no leito,
tem vários lacaios na vida,
endoida os homens mais firmes,
lhes suga os recursos e as almas,
e os torna reféns dos seus beijos
e afagos que faz qual ninguém.

Degusta os vinhos mais finos.
Se fora da cama, é de pedra,
não ama nem sente, calcula,
ajunta dinheiro e prestígio,
vestidos de caros tecidos
e, nua, passeia em escunas
e dá seus cabelos ao vento,
num ar de fidalga rainha:
parece senhora do mar.
Mas como a sereia é bonita!
Mas como a vampira é divina!
Demônio mais cheio de Céu!

VALQUÍRIA

Quando avistei você, que vinha ao longe,
Imaginei, de tolo, era a esperança que chegava:
A bela fada, pitonisa dos presságios magníficos:
Ah, que achava que era um tempo alvorecendo...!
Que era festa, orgasmo, dança e lira ao mesmo tempo.

Não sabia quão nocivo o fundo apego me seria:
Profusão de mágoas, de desgostos, desenganos,
Garoa tão noturna e tão entristecida de silêncio,
Violino mais plangente gerando puro pranto.
Não sabia, era valquíria, uirara, era ninfa, era sereia
Com seu dom nefasto de fazer sofrer intensamente.

2013





CORDEL DA BRIGA DOS FIÉIS

Na saída da paróquia
de uma santa dos aflitos,
os dois homens se avistaram
e a contenda então se deu.

Olhos rubros em faísca,
uma faca em cada mão.
Ia um ódio dos demônios 
a fever nos dois cristãos.

Ah, que luta mais sangrenta!
Maldições em profusão.
Gritos, dores lancinantes,
tintas manchas sobre o chão.

As pessoas assombradas, 
sol dourando o pontilhão.
Padre orando em agonia, 
ministrando a extrema unção.

Pra quem crê na Providência,
caberia uma questão:
se venceu o mais bondoso
ou melhor nas orações.


Revisto e modificado em fevereiro de 2024

EXÍLIO

Gritos do ódio que guardei a vida inteira
Sufocado em minh'alma corroída...
Rebeldia que tolhi, deixei sem asas
E me retalhou por dentro totalmente...
Ai, a guerra que não fiz e os homens maus
Que eu deveria ter ao menos esmurrado!

Vou partir sem olhar pra trás nenhum momento,
Vou morar depois, muito além do fim do mundo,
Mas do mundo muito além do mundo derradeiro,
Onde nada de humano exista ao meu redor.

Quero estar quieto co'as tristezas e lembranças,
Tão sozinho de confabular co'os passarinhos
E entreter-me com a relva, borboletas e os arbustos,
Num recanto a que ninguém possa chegar.

Quero ser tão vago como sombra, um vulto ou um ruído
E, invisível, acomodar-me em meu abrigo,
E, intangível, adormecer em meu sossego,
A bilhões de anos-luz da minha espécie.


2018

TARDE BELA

Tarde fresca, tarde bela,
Onde estão os olhos dela?
Onde estão as mãos de seda
E as palavras tão macias
Como os sons das noites calmas?

Onde estão seus lábios rubros
E a avidez do beijo quente?
Onde estão seus braços mornos
E o seu corpo em frenesim?
Onde estão suas promessas
E o seu gosto de cantar?

Onde está toda a alegria
De somente a avistar?
Onde está toda a viveza
De beijá-la em pleno bar?
Onde encontro aquela aurora
Estampada em seu olhar?

Onde toda a claridade
Que trazia na presença,
Tão somente, simplesmente?

Tarde fresca, tarde bela,
Onde estão os beijos dela?
Tarde fresca que anoitece,
Anoiteço assim sem ela.

2013