domingo, 24 de outubro de 2010

A AMANTE DAS ARTES

Um poeta pousou na minha minha vida
E saiu batendo asas logo após.
Ficou tudo cru, tão rude no meu mundo...

Um flautista tocou lindo em meus momentos,
Mas durante um tempo inda menor.
Fez de mim não mais que só silêncio.

Um sambista fez folia nos meus dias
E sumiu com seu pandeiro de repente.
Fez de minha alegria meras cinzas.

Um palhaço trouxe graça à minha vida
E num mês partiu pra sempre com seu circo,
E eu chorei convulsamente por bons dias.

Um ator representou sol renascido,
Mas dois meses foi o tempo que ficou.
Nem consegui dissimular a dor tamanha.

Um pintor me veio e coloriu-me a existência,
Mas partiu com suas telas em seis meses.
Fez minh'alma tão cinzenta e tão sem cores...

Vem chegando um paisagista à minha estrada
E vai fazê-la bela, ornada e floreada,
Tenho esperanças que pra todo, todo o sempre.

2010

SONHEI

Sonhei, sim,
sem pudor e sem limite,
ou compromisso co'a razão.
Mas sonhei qual fora louco,
e você me veio à mente,
numa cama de poema,
numa noite à beria-mar.

Sonhei, sim,
e inventei um mundo novo
sem os ódios e as ganâncias,
onde os homens, todos eles
protegiam a natureza,
o planeta e os  animais.

Sonhei, sim,
fiz a morte suprimir-se
e a cidade fiz tão bela
e tão clara de alegria
e de paz angelical.

Sonhei, sim,
inventei que minha rua
era em meio a bosques verdes
onde eu via mil sanhaços
a brincar toda manhã.

Sonhei, sim,
fiz os seres se irmanarem
e se amaram sem medidas,
caminhando lado a lado
e fazendo que este mundo
se tornasse o próprio Céu.

2010
Revisto e modificado em 2017

SE VOCÊ VIESSE

Se você viesse e se entregasse,
Eu a guardaria no abrigo do aconchego
Do mais fundo do meu peito apaixonado.
Eu a deixaria nos recantos mais melódicos
Dos meus quentes, meus imensos sentimentos.
Eu veria alvorecer em cada instante
De ternura, de promessa e de carinho
E de verbo macio e de doçura.
Eu veria uma fonte que nunca se esgotasse
De razões pra viver pra todo o sempre
No seu rosto aveludado de mulher,
Nos seus braços tão repletos  de carinho,
Nos prazeres inefáveis sobre a cama,
Nas manhãs em que, felizes, acordássemos,
Assim quase como se cantássemos,
Tamanha a felicidade de nós dois.

2010
Revisto e modificado em 2017

COXAS NEGRAS

A mulher negra e bela se senta à minha frente,
Cruza ante meus olhos as roliças negras pernas,
Negras como os rios que cantam mansamente
Nas noites sem lua e sem estrelas.
A mulher bonita cruza as negras coxas,
Negras como as onças negras e noturnas
Que caçam pelas selvas do país.
Negras como as cobiçadas cavidades
Do seu desejado corpo negro.
Negras como os belos olhos negros
Impregnados de viveza e de malícia.
Negras como estes meus versos negros
Envolvidos num negror tão claro e luminoso
De desejo, devaneio e de querer.
2010

terça-feira, 19 de outubro de 2010

FAVELA II

Não é um vilarejo inocente,
Mas sugere algum romantismo.
É um lugar bem modesto,
De uma pobreza flagrante,
De uma beleza singela.

Mas naquela beleza simples,
Não há nos dias da gente
A mais vaga e menor poesia.

As crianças brincam, inocentes,
Mas não sonham qual sonham crianças.
Adolescentes não mostram quimeras,
Mas eterna vigília nos olhos.
Não têm esperança os adultos,
Mas rezam o quanto conseguem,
Pedindo que não cheguem tragédias

Soldados sem farda e camisa
Empunham armas possantes,
Seguindo ordens expressas
De oficiais sem divisas.

O sol reflete nas casas,
Mas não há olhar que se encante.
Alguns jardins bem se avistam,
Mas as flores parecem sem vida.
Nos bares, homens conversam,
E as ruas, repletas de gente,
Não são de viva poesia.
Soa bem alto um batuque,
Mas não há no batuque alegria.

2010

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

CALA

Cala,
E não terás para ti apontado o ódio,
A repulsa, a antipatia,
O fastio, o escárnio.
Cala,
E não farás desafetos e traidores.

Cala,
Fala apenas aqui,
Pois quem não quiser te ouvir, não te leia,
Que abandone tuas páginas escritas.

Cala,
Não fales.
Se não consegues conter a indignação e a revolta,
Que apenas aqui te manifestes.

Cala, não fales,
Mas apenas cria,
E aí serás senhor das chuvas e dos ventos,
Conduzirás o tempo e os destinos,
Serás assim poderoso como um deus.

Cala,
Permanece silente
E mantém apenas teus olhos atentos
Ao mundo,
À vida.

Concebe aqui tuas idéias e pensamentos,
Mas não verbalizes,
Porque o mundo é uma armadilha mortal
E as pessoas são lamentavelmente nocivas.

Por isto cala,
Cala como se não pensasses,
Como se nada visses,
Como se fosses nulo,
Cala como se não corresse
O sangue por tuas veias.
Mas cala, amigo, não fales!
Cala, amigo, por Deus!
Cala, por favor, amigo,
Cala!

2010

TRISTEZA

Tenho ido pela vida sem saber pra onde ando,
Como autômato, como apenas empurrado pelo vento,
Entre o medo, a dor e o meu profundo desalento,
E versejo, sem saber porque versejo exatamente.
Consolar-me-ia ver assim escrita e registrada
A tristeza que me apaga, que me assombra e que me mata?
Não, mas os versos me vêm também quase à toa,
Como também trazidos pelo vento.

2010

NÃO TENTE

Não tente vir me provocar
Como se fosse a alvorada com seus pássaros,
Pois só creio na madrugada em seu silêncio,
Que jamais me tenta iludir.

2010

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

GRANDES PERIGOS

Há um grande perigo em atravessar as vias
Pelas ruas
E andar pelas ruas da cidade,
Porque um acidente ou atentado pode tirar a vida do teu corpo.

Mas há também um grande perigo em atravessar os momentos
Pelos dias
E andar pelos dias desta vida,
Porque um drama ou maldade pode tirar a vida da tua alma.

2010

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

NASCER DE UM POEMA

Algo faz que me assalte uma emoção
E tome conta ponta a ponta de minh'alma.
E me entrego, quer eu queria, quer não queira,
Seja o que sinta afeto de calor intenso,
Paixão incandescente e sem freio e sem limite,
Ódio de esquentar as faces e fazer os olhos rubros,
Tristeza funda de fazer sombrio o mundo
Ou alegria ensolarada como dança em carnaval.
Não importa o sentimento, pois me toma a emoção
Com seus ventos, seus arroubos e seus frêmitos,
E assim nasce um poema pulsante como as veias,
Como sangue brotado da ferida acesa,
Ou sêmen nascido de um prazer que não tem nome.

2010

A NOITE E NOSSOS OLHOS

Noite de carinho, de projetos e promessas.
Vejo a poesia brilhando nos teus olhos
Tão repletos de paz e de luar.
Ouço músicas antigas e tão belas
E tão cheias de passado e de saudade,
Mas tua presença faz alegre a nostalgia.

Cantas uma canção singela, pequenina,
Mas que me toca e até faz prantear.

Meus olhos são teus, teus com tamanha demasia,
Que se fazem cheios de palavras
No ato puro e simples de te olhar.

Noite, músicas, teu beijo e a paz desses teus olhos.
Vivo então a mais bonita, mais profunda poesia.

2010

terça-feira, 5 de outubro de 2010

AQUELA MULHER MAGRICELA

Aquela mulher magricela,
Que não é nem feia nem bela,
Traz uma história consigo
De arrepiar, meu amigo!

Mulher de muitos amantes,
De ardor singular, flamejante,
Segundo comentam parceiros
Que foram-lhe só passageiros.

Um dia um homem sereno,
Casado, de filhos pequenos,
Por capricho, mera aventura,
Envolveu-se co'a tal criatura.

Problema maior disto tudo:
Um dia se viu ele mudo,
Cego, surdo de amor por ela,
Que, vê, não é feia nem bela.

Deixou esposa e crianças,
Matou toda viva esperança,
À casa deu cor de saudade,
Pintou de infelicidade.

A pobre a esconder pelos cantos,
A doida convulsão do pranto,
Crianças quedadas de espanto,
Tristonhas, sem ter acalanto.

Pra que você bem me entenda,
Ficou a família sem renda.
Não queira meu Deus que eu minta:
Tornou-se família faminta.

Uns poucos anos passaram,
E as coisas então se mostraram:
Vivia o rapaz aos lamentos:
Não lhe tinha a mulhr sentimentos.

Foi ele mais ainda ferido:
Um dia descobriu-se traído.
Deixou-a, atingido nos brios,
A alma em dor, calafrios.

Procurou a cônjuge antiga:
Queria uma amante, uma amiga.
Mas não tinha-lhe a ex mais afeto:
Agora o achava abjeto.

A moça até se casara,
A outro se afeiçoara.
E os filhos ao homem chegado
Já tinham até se apegado.

Vê quanta tristeza causada
Por capricho da desalmada,
Aquela mulher magricela,
Que não é nem feia nem bela?

2010