quarta-feira, 16 de março de 2022

OSTRA

 Sou tão bela e me comprazo de me ver

No espelho e de sorrir como menina,

E, às vezes, sob as águas do chuveiro,

Fico a tocar meu corpo como um médico

E me deleito da tumidez das minhas formas.


Há dias em que toco-me qual fora

Afrodite entre volúpias com Apolo.

Estive em camas em que ardi, plena de frêmitos,

Senti prazeres que não sei nem descrever.


Mas, dos braços que com gana me apertaram,

Foram raros os braços de ternura:

Quase sempre fui fêmea, não mulher.


A solidão é como medo em noite escura,

Mas aos homens que me querem fecho os olhos.

Sem que pense no adiante em minha estrada,

Agora tranco-me como sigilo absoluto,

Como segredo que é sacrilégio revelar.


Se uns olhos ternos adentrarem os meus olhos,

Se braços fortes me apertarem, afetuosos,

Eu me darei tal como flor se entrega ao vento,

Mas ora fecho-me como animal quando se entoca

E me recluo num casulo qual crisálida,

Tal como ostra na concha a se encerrar.