terça-feira, 24 de março de 2009

VERSOS COM MENÇÕES AO POETA VAGABUNDO

SATURE-SE DA FIGURA DO POETA VAGABUNDO E DA PRÓPRIA EXPRESSÃO EM SI, ALÉM DA FARTA REPETIÇÃO DE IMAGENS E CENÁRIOS QUE O ENVOLVEM

O poeta vagabundo:
Vagabundo por repudiar trabalho
E também por ser um bardo dos chinfrins,
Já poeta porque inventa frases líricas,
Porque toca, sofre e canta ao violão.

Homenzinho insano, incomum, parece doido,
Já criou costume de parar no tempo
E também no espaço, pra fitar estrelas;
Divagando tanto, ousando fantasias
Que não vi neste mundo nenhum louco acalentar.

Comove-se co'a musa que adentra o bar,
Achega-se a ela e lhe diz galanteios
Com olhos luzentes e tão fascinados,
Que mais parece menino apaixonado.

Quando solitário, acomoda-se à mesa
E consome-se em porre pela morena
Que há bem pouco tempo o deixou
E a linda mulata que o já encantou.

Esse vagabundo, na rua lotada,
É apenas um ser sozinho e tão errante
Que para de repente e faz novamente
Que pare o tempo só pr'ele contemplar
O céu azulzinho do dia de sol.
Esse coisa-à-toa caminha perdido,
Soturno e sem rumo na rua deserta
Quando sua alma é sombria, escura, sem luz.

Despojado, informal, parece esses anjos
Desgarrados dos outros, que ficam bebendo
Nos bares alegres, em vez de ir pro Céu.
Incapaz de acatar, não sabe dar ordens.
Parece um cão solto deitado nas ruas:
Lírico e livre, o que mais ele lembra?
Talvez as cigarras, talvez borboleta, talvez os pardais.

II
(CIDADE SEM ALMA)

Que Rio emprestaria
Um poeta vagabundo,
Livre, avesso ao trabalho,
Pr'eu fazer uma canção?

Onde eu encontraria
Uma bela libertina
A aceitar propostas lúbricas,
A beber num botequim?

Onde o Rio acharia
Um malandro zombeteiro,
Imbatível na sinuca,
Dedilhando um violão?

Que birosca mostraria
Um amante abandonado,
Só, tristonho, embriagado,
A chorar de dor de amor?

Em que bar eu viveria
Bebedores animados
A cantar Tom e Vinícius,
A falar de Bossa Nova?

Nos romances, devaneios,
Nas canções que ouço do rádio,
Nas imagens de outras décadas
Que eu só vejo na tevê.

Rio insosso, tão sem graça,
Com seus bares burocráticos
De "menu" sofisticado
E ambiente de escritório.

Zona Sul e Centro belos,
Os mais belos dos infernos,
Com seu trânsito empacado
E as buzinas estridentes.

Violência organizada,
O subúrbio amarrotado
E essa ausência de alegria,
Essa susência de tristeza.

Esse Rio que não canta,
Que não ama, que não chora ,
É assim como um autômato,
Desconhece a poesia.

II - II
O bar onde eu bebia estampava um imenso pôster do Rio antigo
E isso me apertava o peito.
O Insttiuto Oswaldo Cruz contrasta com o panorama feio e desumano da Avenida Brasil,
E isso também me aperta o peito.
Os romances de Machado de Assis apertam meu peito
De saudades. Saudades! Que saudades!
Eu tenho saudades de um tempo que não vi nem vivi!
Eu tenho saudades de um Rio que não conheci!

III

Que poeta vagabundo
Ávido de vida
Chegaria à porta da bodega
Para olhar a lua cheia?

Que poeta desvairado
Pararia no tempo e no espaço
Para ouvir canções amenas
E, depois, tresloucado, versejar?

Que menina enamorada,
No silêncio do seu quarto,
Mexeria nas gavetas
Para ler cartas de amor?

Que velho passaria
Tardes mansas nos outonos
Balançando  na cadeira,
Numa paz de dahlai lama ?

O poeta não existe,
Está preso, encerrado,
E fechado nestes versos,
Nesta minha fantasia.

A menina é pragmática:
Tem uns cinco namorados
Que não ama e tem um verbo
Tão concreto, que eu me assusto.

E o tal velho na cadeira
Só sossega porque os ossos
Dóem quando em movimento:
Quieto, amarga a existência.

Nenhuma poesia no ar,
Nada de belo há no ar,
Todos parecem não ter sentimentos.
A vida é fria e mecânica,
E nós, seres robotizados,
Com projetos, mas sem sonhos,
Nascidos para, produzindo, cumprir nosso papel no contexto econômico
E depois morrer:
Nós somos assim como as máquinas dos carros.

IV

As metrópoles não têm alma,
O mundo não tem alma:
O mundo é uma vastidão descomunal sem alma.

1996

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