sábado, 8 de setembro de 2007

POEMA DE NÃO-AMOR

Quero fazer um poema que seja só não-amor.
Que não seja canto, mas silêncio;
que não seja perdão, mas ódio
calado,
velado
e mudo.


Quero fazer um poema que não olhe nos olhos da amada,
mas baixe a fronte,
jogando os próprios olhos
sem brilho
no chão.


Quero fazer um poema cheio de vazio,
que não afague,
mas ponha as mãos
cerradas
para trás.


Quero fazer um poema que nada expresse,
não faça gesto,
não olhe,
não sinta,
mantenha a boca
fechada,
trancada,
e o corpo
imóvel
tal como estátua
feita de pedra.

1999











Eu quero a embriaguez,
Não a embriaguez dos boêmios,
Mas a embriaguez dos desamados e dos solitários,
Dos desistentes da vida,
Dos bêbados cuja única aspiração
Cuja única paixão, cujo único desejo
É a garrafa de bebida;
A embriaguez dos que tombam a fronte sobre a mesa
E, esmolambados e sujos, dormem um sonho anestesiado e sem sonhos.


A música que me encantava passa diante dos ouvidos em vão,
Sem atingir minha alma,
Sem tocar meu coração.
Eu quero o dia sem sol e sem luz,
Eu quero a noite sem melodias nem luar,
Sem poesia e sem céu estrelado.


Eu quero os dias imóveis e silenciosos,
Numa quietude sepulcral.
Eu quero a morte,
Eu quero que a morte venha com brevidade:
A morte sem tristeza, sem horror, sem agonia,
Mas também sem suavidade ou lira que lhe adorne a face crua.


Eu não mais suporto o fastio da vida,
A vida pesando nos ombros;
Eu não quero mais seguir nenhuma estrada
Nem iludir-me em alimentar qualquer esperança.
Não quero deixar saudades, recordações,
Não quero louvações nem elogios póstumos:
Quero o mais absoluto esquecimento
E que nada exista além do corpo e da carne:
Eu quero a morte, quero somente a morte.

1996











Quem cantou
ao teu ouvido,
de manhã, quando acordavas,
foi a vida, que bradava no teu peito
e dançava uma dança toda feita de folia.


A viveza, que te fez querer pular da cama,
rodopiar e saltar pelos jardins floridos,
e abrir as mãos para pegar gotas do sol.


Quem te fez querer cantar a toda a voz
uma cantiga toda feita de alegre poesia,
foi a vida, retumbante no teu peito,
a alegria, a fazer-te então menina.

1998




























POEMA DE CONCRETO




Quero fazer um poema de arroz e de feijão,
cheio de pés no chão e dia-a-dia,
mas que nem por isso seja menos poético
que qualquer poesia ornada de rosais e de jardins.


Um poema carregado de pigarro e de olhos vesgos,
de beleza encoberta por suor e cabelos mal cuidados,
mas que nem por isso se despoje de fundos sentimentos
e das mais sublimes e dolorosas emoções.


Versos pejados de poeira de mobília e de cascalho,
mas que mesmo assim cantem as coisas mais intensas,
os desejos mais fervescentes do coração.


Quero fazer um poema cheio de frieira e cefaleia,
de emplastro, detergente, roupa suja e de cimento,
mas que encante e que enleve e que arrebate
tanto quanto os olhos súplices da amada sob os raios do luar.



II



Quero te fazer um poema sem bonitas expressões,
sem campos floreados ou luares de verão,
sem a leveza das imagens e cenários que mais se ajustam às poesias.
Quero te fazer um poema cotidiano e realista,
mas que ainda assim traduza um sentir tão sem tamanho,
que soe linda e divina a mais corriqueira das palavras.

1998


MILENA


Vem de algum lugar, Milena, que meu canto te procura
Por todo beco,
Por todo canto
E pelas noites silenciosas, Milena;
Noites de frio
Que não revelam
A tua imagem.


Surge, Milena, assim de repente como fada;
Nasce de um clarão multicolorido de magia
E então flutua
Bem docemente
Ante meus olhos.
Vem, Milena, chega assim de entre as nuvens;
Vem, que meu poema de ti se alimenta.
Chega antes que meu peito canse,
Antes que meu verso cale
E eu apenas seja folha seca a vagar sem rumo.

1996

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