sábado, 8 de setembro de 2007

QUE TAL? / FUNDO DESENCANTO N. 2 / QUE MAIS, SENHOR? / FUNDO DESENCANTO

Que tal, amigos, a gente, unidos,
Tentar virar de pés pro alto
Este mundo tão injusto?


Cada um pelos seus meios,
Cada um pelo seu modo,
Cada um como bem sabe.


Vocês ficam de guerreiros,
Eu, de ardente orador.
Vocês ficam na masmorra,
Eu versejo à liberdade.


Vocês ficam co’a dor física,
E eu fico de poeta,
Sob aplausos da “galera”.


Vocês morrem na tortura,
Eu lhes faço um necrológio,
Um discurso bem baiano.


Depois entro num partido
Que lhes faça exaltações.
E, mais tarde, os seus carrascos
Eu procuro pr’alianças.
E, assim, de amigos novos,
Fico rico e poderoso,
E asseguro então o futuro
Dos meus netos, decanetos...

1996










FUNDO DESENCANTO No 2



Se um dia tu parares, refletires longamente,
te lembrares de que, das mulheres que tiveste, muitas não te amaram
e algumas nem sequer te foram fiéis...
que entre todas só uma ou raríssimas te deram amor e te foram leais,
que tu mesmo igualmente te limitaste a usar a maioria das mesmas e a não ser exatamente
[ um exemplo de amor ou virtude...


Se notares que nenhuma força sobrenatural há que livre e acuda os seres dos acidentes e
[ infortúnios da vida e da maldade humana...
Se notares, ainda, que nenhum ser supremo te irá reparar as injustiças sofridas, quer hoje,
[ amanhã ou num suposto juízo final,
e que nenhum juízo final castigará os maus e recompensará os bons para fazer valer o teu
[ parco senso de justiça...
Se, nesta própria questão, olhares para o teu próprio umbigo e reconheceres que também
[ não és um modelo de justiça ou bondade...
Então tu te acharás um verme entre tantos vermes
e te sentirás tão só, esmorecido e perdido...
e terás da vida um desencanto e desalento profundo...
e então tudo a teus olhos será tão baço, cinzento, deserto,
será tão sem cores, sem brilho ou canção,
que amarás do fundo d’alma a certeza de um dia morreres.

1999
















QUE MAIS, SENHOR?



Que mais quereis, Senhor, pra que eu mereça o Céu?
Já falei teu nome, já preguei tua palavra
Pelos quatro cantos do Universo.
Fiz pregão da tua ira,
Orações já fiz milhões,
Passei horas, dias, anos,
Incontável tempo nas igrejas.


Que mais quereis, ó Deus Supremo?
Dizei ao meu ouvido que estou salvo.
Já cantei cânticos sacros
Tantos, que cheguei a confundi-los.


Chorei só em mencionar-vos,
Aprendi um ar de arcanjo
Que comove até o mais rude
Dos humanos que criastes.


O que mais quereis, Meu Pai?
Mitigai minha aflição
Em dizer-me que já tenho
Garantido o Paraíso.


Rogo pragas ao demônio,
Cuja obra só maldigo,
Cujo nome eu só grafo
Com inicial minúscula.
E então, dizei, Bendito,
O que mais quereis de mim?


Bajulei-vos mais que pude,
Decorei as Escrituras,
Dediquei-vos cega fé.
E então, Maravilhoso,
De uma vez, enfim, por todas,
Entendei: mereço o Céu.

1999


FUNDO DESENCANTO




Eu não clamo mais pela Justiça:
Abandonei as lutas vãs.
Eu não grito mais pela Verdade:
A Mentira é, para a alma humana, venerável.


Eu não tenho nenhuma tola esperança
Guardada quanto ao terceiro milênio.
Eu sei que não evoluirão humanisticamente os homens.
Eu não creio na salvação das espécies,
No resgate das matas, dos rios, das plantas:
Não nutro ilusões de um mundo melhor.


Não acredito no olhar súplice de amante,
Não acredito no abraço caloroso de amigo.
Eu questiono Deus e não creio nos homens.


Eu não creio em nada, em nada absolutamente.
Eu sou como o arbusto ressequido
A se decompor no meio de infinitas terras áridas.
Eu sou como o seco sertanejo de rugas fragmentado,
Que, impassível, contempla os campos mortos,
Aguardando apenas que a morte o toque também.


1996

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